Mesas Girantes
A Origem do Espiritismo: Um Estudo Detalhado sobre as Mesas Girantes na França do Século XIX
O surgimento do Espiritismo no século XIX é um marco na história da espiritualidade e da compreensão humana sobre a vida além da matéria. Entre os fenômenos que impulsionaram o desenvolvimento dessa doutrina, as chamadas mesas girantes desempenham um papel central.
Este artigo busca examinar, de forma detalhada e minuciosa, o contexto histórico, social e cultural em que esse fenômeno surgiu, além de seu impacto direto na formulação da Doutrina Espírita por Allan Kardec.
O estudo das mesas girantes não apenas esclarece suas origens, mas também revela o papel fundamental que desempenharam na consolidação do Espiritismo como uma nova filosofia de vida.
O Contexto Histórico e Social da França no Século XIX
Para entender a origem das mesas girantes, é essencial contextualizar o cenário da França na primeira metade do século XIX. A Europa estava em plena efervescência cultural, política e social. A Revolução Francesa havia transformado profundamente as estruturas sociais, trazendo à tona novas ideias sobre liberdade, igualdade e fraternidade.
O Iluminismo, que precedeu a Revolução, promovia o racionalismo, e a ciência começou a ganhar destaque como forma de explicar os fenômenos naturais e humanos. No entanto, a religião tradicional, especialmente o catolicismo, começava a perder a sua força sobre as massas.
Nesse cenário, muitas pessoas começaram a se interessar por explicações alternativas sobre a vida, a morte e o mundo espiritual. A busca por respostas que não fossem fornecidas pela ciência convencional, nem pela religião tradicional, abriu espaço para o florescimento de fenômenos espirituais e para um renovado interesse pelo ocultismo, magnetismo e outras práticas místicas. É nesse ambiente de transformação social e espiritual que as mesas girantes surgem como um fenômeno intrigante.
As Mesas Girantes: Fenômeno Popular e Místico
O fenômeno das mesas girantes teve início em meados da década de 1850, principalmente na França, mas também em outros países europeus. A prática consistia em reunir pessoas ao redor de uma mesa, que supostamente começava a se mover sozinha, girando ou levantando-se do chão.
Acreditava-se que esses movimentos eram causados pela intervenção de espíritos, que se comunicavam com os presentes através de batidas ou movimentos da mesa. As pessoas participavam dessas sessões com o intuito de se conectar com o mundo dos mortos, acreditando que estavam recebendo mensagens de entes queridos ou de entidades espirituais superiores.
O fenômeno das mesas girantes logo se espalhou entre todas as classes sociais, ganhando popularidade em salões burgueses e até em cortes reais. Embora alguns vissem as mesas girantes como uma forma de entretenimento ou de mistificação, muitos participantes estavam genuinamente interessados nos possíveis aspectos espirituais e filosóficos que os fenômenos poderiam revelar.
O Papel de Allan Kardec
A figura mais importante no estudo e sistematização dos fenômenos espirituais foi Léon Hippolyte Denizard Rivail, conhecido pelo pseudônimo Allan Kardec. Antes de se dedicar ao Espiritismo, Kardec era um respeitado pedagogo, educador e cientista. Quando tomou conhecimento dos fenômenos das mesas girantes, inicialmente demonstrou ceticismo, mas a curiosidade científica o levou a investigar mais a fundo o que estava ocorrendo.
Kardec, com sua mente investigativa, começou a observar os fenômenos de forma metódica e criteriosa, aplicando o rigor da ciência àquilo que muitos tratavam de maneira superficial. Ele passou a realizar perguntas sistemáticas durante as sessões de mesas girantes e, através dessas respostas, começou a identificar um conjunto coerente de princípios e ensinamentos espirituais.
Foi dessa pesquisa que nasceu a Doutrina Espírita, baseada em cinco princípios fundamentais: a existência de Deus, a imortalidade da alma, a pluralidade das existências (reencarnação), a pluralidade dos mundos habitados e a comunicabilidade dos Espíritos.
As Mesas Girantes e a Codificação Espírita
O fenômeno das mesas girantes desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do Espiritismo. As comunicações obtidas através dessas sessões foram a base para a codificação da Doutrina Espírita, que culminou com a publicação de O Livro dos Espíritos em 1857.
Nesse livro, Allan Kardec apresenta uma série de perguntas e respostas fornecidas pelos Espíritos, abordando temas como a natureza de Deus, a vida após a morte, a evolução espiritual e as leis morais que regem o universo.
É importante notar que, para Kardec, o fenômeno das mesas girantes em si não era o foco central. O que realmente importava eram os ensinamentos que podiam ser extraídos das comunicações espirituais.
Ele percebeu que as mesas girantes, assim como outros fenômenos mediúnicos, eram apenas um meio de comunicação entre os dois mundos – o físico e o espiritual. Dessa forma, Kardec se afastou das manifestações puramente fenomenológicas e se concentrou na mensagem moral e filosófica transmitida pelos Espíritos.
A Ciência e as Mesas Girantes
Desde o início, o fenômeno das mesas girantes suscitou grande interesse por parte de cientistas e intelectuais. Muitos tentaram encontrar explicações racionais e materiais para os movimentos das mesas. Diversas teorias foram propostas, desde o efeito ideomotor – em que os participantes, inconscientemente, movem a mesa – até influências magnéticas ou elétricas.
Entretanto, o rigor científico aplicado aos fenômenos espirituais por Kardec era algo inovador para a época. Ele defendia que os fenômenos observados não deveriam ser aceitos de forma cega, mas sim analisados criticamente e repetidos em diferentes circunstâncias para garantir sua autenticidade.
Kardec advogava que a verdadeira ciência deveria se abrir para o estudo de novos fenômenos, mesmo que esses parecessem, à primeira vista, contrariar o entendimento tradicional da realidade.
O Declínio das Mesas Girantes e a Consolidação do Espiritismo
Embora o fenômeno das mesas girantes tenha sido crucial no surgimento do Espiritismo, ele eventualmente começou a perder popularidade. Parte disso se deve ao ceticismo crescente e à percepção de que muitas das sessões eram conduzidas de forma superficial ou fraudulenta.
Além disso, a própria Doutrina Espírita, tal como codificada por Allan Kardec, começou a se distanciar dos fenômenos ostensivos e a se concentrar mais na moralidade e na filosofia espiritual.
O Espiritismo, conforme foi se desenvolvendo, passou a enfatizar menos os fenômenos mediúnicos espetaculares e mais o desenvolvimento moral e intelectual dos indivíduos. Kardec, em suas obras posteriores, como O Livro dos Médiuns e O Evangelho Segundo o Espiritismo, ofereceu diretrizes claras sobre como abordar o fenômeno mediúnico com seriedade e responsabilidade.
O Legado das Mesas Girantes
Embora o fenômeno das mesas girantes tenha perdido seu apelo como prática popular, seu impacto na história do Espiritismo e da espiritualidade é inegável. Ele foi o catalisador que trouxe à tona uma série de perguntas sobre a natureza da alma, da vida após a morte e da relação entre o mundo material e o espiritual.
A abordagem científica e racional de Allan Kardec não apenas validou os fenômenos espirituais como uma área legítima de estudo, mas também forneceu uma base sólida para o desenvolvimento de uma filosofia espiritual profundamente enraizada nos princípios do amor, da caridade e da evolução moral.
Graças às mesas girantes, o Espiritismo nasceu como uma doutrina que busca a verdade além das aparências e que, ao mesmo tempo, promove o desenvolvimento ético e espiritual de seus adeptos.
Conclusão
As mesas girantes na França do século XIX foram o ponto de partida para o desenvolvimento de uma das doutrinas espirituais mais influentes da era moderna: o Espiritismo. Mais do que simples curiosidade ou entretenimento, os fenômenos observados abriram portas para uma nova compreensão da vida espiritual, despertando o interesse de cientistas, intelectuais e buscadores da verdade.
Allan Kardec, com seu espírito investigativo e sua dedicação ao estudo metódico dos fenômenos espirituais, transformou as mesas girantes de um fenômeno popular em um sistema filosófico e moral que continua a iluminar consciências até os dias de hoje.
O legado das mesas girantes transcende o fenômeno em si, pois serviu como alicerce para a construção de uma nova visão sobre a vida, a morte e a evolução do espírito. A história do Espiritismo, portanto, é indissociável do impacto que essas misteriosas mesas tiveram na França do século XIX.