2 de maio de 2025

Os Tormentos Voluntários

Por O Redator Espírita
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Os Tormentos Voluntários: Reflexões à Luz do Espiritismo

No laborioso caminho da evolução espiritual, aprendemos que as aflições que experimentamos nem sempre são impostas pelas circunstâncias externas ou pelo determinismo da vida terrena. Em muitos casos, são tormentos que nós mesmos criamos, frutos de escolhas equivocadas, de sentimentos inferiores que cultivamos e de valores passageiros que colocamos acima das verdadeiras conquistas da alma.

Inspirando-nos no texto “Os Tormentos Voluntários”, ditado pelo Espírito Fénelon e registrado por Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, item 23, mergulharemos numa análise profunda sobre como e por que o homem se enreda em sofrimentos evitáveis. Examinaremos, também, os antídotos espirituais que a Doutrina Espírita nos oferece para a superação dessas aflições autoimpostas.

A Incessante Busca pela Felicidade

Desde tempos imemoriais, o ser humano busca a felicidade como objetivo supremo de sua existência. Trata-se de um anseio natural da alma imortal, que, instintivamente, aspira por sua origem divina. Contudo, como adverte Fénelon, essa felicidade plena e absoluta não se encontra no mundo material, em razão das limitações inerentes ao planeta de provas e expiações em que ainda habitamos.

Apesar dessa impossibilidade de atingir a felicidade completa na Terra, poderíamos alcançar uma felicidade relativa, um estado de paz e serenidade acessível àqueles que sabem colocar sua confiança não nas coisas efêmeras do mundo, mas nos valores imperecíveis da alma. A chave, conforme o ensinamento espírita, está em onde e como buscamos essa felicidade.

Infelizmente, muitos a procuram nas posses, nos prazeres passageiros, no reconhecimento social, no poder efêmero, esquecendo que todas essas conquistas estão sujeitas às vicissitudes da matéria. Buscando a felicidade em alicerces frágeis, invariavelmente deparam-se com a frustração, a ansiedade, a inveja e a inquietação.

A Inversão dos Valores: Fonte de Sofrimento

O Espírito Fénelon enfatiza que o homem, em sua ânsia cega de conquista material, acaba criando para si mesmo tormentos que poderia facilmente evitar. Trata-se de um comportamento paradoxal: ao invés de procurar a paz de espírito, que é o verdadeiro tesouro da vida, ele se agita e se perturba na corrida desenfreada por metas ilusórias.

Essa inversão de valores é um dos grandes responsáveis pelos tormentos voluntários. Quando os bens materiais, a posição social ou a beleza física passam a ser mais valorizados que as virtudes da alma — como a humildade, a caridade, a paciência e a resignação —, instala-se um ciclo de sofrimento contínuo.

Em busca de aparentar o que não se é, ou de ter o que ainda não se pode ter, o homem se distancia de si mesmo, abrindo espaço para o desassossego e a infelicidade. E, como alerta o texto evangélico, tudo isso está, na maioria das vezes, sob o seu controle, pois bastaria uma mudança de perspectiva para evitar esses sofrimentos inúteis.

A Inveja e o Ciúme: Tormentos Corrosivos

Entre os tormentos voluntários mais destacados no trecho estudado, encontram-se a inveja e o ciúme — dois sentimentos que, além de serem fontes de imenso sofrimento, afastam o homem da sua paz interior e da convivência harmoniosa com os demais.

O invejoso e o ciumento, conforme descreve Fénelon, vivem febris, sem repouso. A conquista alheia torna-se para eles uma fonte de inquietação contínua. Sentem insônia ao saber que outros alcançaram aquilo que desejam; perturbam-se com a felicidade de outrem, como se o êxito alheio diminuísse o seu próprio valor.

Esses sentimentos, além de serem improdutivos, geram um círculo vicioso de amargura e infelicidade. A inveja faz o indivíduo concentrar-se no que lhe falta, obscurecendo a percepção do que já possui. O ciúme alimenta a insegurança, gera conflitos e desgasta relações que poderiam ser fontes de crescimento e apoio mútuo.

Tais emoções negativas, repetidamente alimentadas, não apenas envenenam o presente, mas também comprometem o futuro espiritual, pois cada sentimento inferior que nutrimos contribui para o nosso atraso evolutivo.

O Antídoto: Contentar-se com o que se tem

Em contraposição à inquietação do invejoso e do ciumento, Fénelon apresenta a figura daquele que sabe contentar-se com o que tem. Esse, sim, desfruta de uma paz verdadeira e duradoura, pois compreendeu que a felicidade não depende da quantidade de bens acumulados ou da posição ocupada no mundo, mas da serenidade que nasce de um coração equilibrado e desapegado.

O homem que se contenta com o necessário olha ao seu redor e vê quantos possuem ainda menos do que ele, o que o conduz ao reconhecimento e à gratidão. Ele não se aflige por não ter aquilo que considera supérfluo, pois compreende que a verdadeira riqueza é a paz interior, essa calma que se mantém mesmo em meio às tempestades da vida.

A simplicidade de sentimentos e o desapego dos bens materiais são virtudes que proporcionam um estado de felicidade relativa, plenamente possível no estágio evolutivo em que nos encontramos. Tal estado de espírito não elimina as provações naturais da existência humana, mas torna-as mais leves, pois quem está em paz consigo mesmo enfrenta as dificuldades com fé, esperança e resignação.

A Paz Interior como Verdadeira Felicidade

No texto, Fénelon afirma categoricamente que “não será uma felicidade a calma, em meio das tempestades da vida?”. Essa pergunta, de profunda sabedoria, nos convida a refletir sobre a verdadeira natureza da felicidade na Terra.

Não se trata de uma felicidade estática e plena, como a que talvez experimentaremos em mundos superiores, mas de uma felicidade dinâmica, capaz de coexistir com os desafios, com as dores e com as perdas inevitáveis da vida material.

Essa calma, essa serenidade interior, é construída mediante um esforço consciente para dominar as paixões inferiores, cultivar sentimentos nobres e confiar na justiça e na bondade divinas. Trata-se de uma felicidade acessível a todos que se dispõem a mudar sua forma de pensar e sentir, orientando sua vida para as aquisições do espírito, e não para as ilusões do mundo.

O Papel da Vontade e da Educação do Espírito

Os tormentos voluntários são, em grande parte, resultados da falta de educação do espírito. Educar-se espiritualmente é aprender a distinguir o que é essencial do que é acessório; é treinar a mente e o coração para buscar valores duradouros, e não se deixar arrastar pelas seduções fugazes da matéria.

A vontade desempenha um papel central nesse processo. Querer melhorar-se, querer libertar-se dos sentimentos inferiores, querer conquistar a paz interior — eis os primeiros passos da verdadeira transformação.

O Espiritismo nos ensina que a vontade é uma das maiores forças da alma, capaz de vencer tendências seculares e abrir caminho para novas conquistas morais. Não é um caminho rápido nem isento de quedas, mas é o único que conduz ao progresso real.

Considerações Finais

O estudo do item “Os Tormentos Voluntários” nos oferece lições valiosas e práticas. Ele nos mostra que grande parte de nossas dores poderia ser evitada se cultivássemos a simplicidade de coração, o desapego e o contentamento com o necessário.

Revela-nos também que a inveja e o ciúme são flagelos do espírito, tormentos que nós mesmos criamos e que só nós podemos dissolver, pela prática da caridade, da humildade e da gratidão.

Por fim, compreendemos que a verdadeira felicidade, mesmo no mundo de provas e expiações, é possível e consiste na paz interior conquistada através da elevação moral e da confiança em Deus.

Que possamos, iluminados pelos ensinamentos de Fénelon e orientados pela Doutrina Espírita, trabalhar com firmeza e perseverança para libertar-nos dos tormentos voluntários e construir, desde agora, a felicidade possível na Terra, preparando nossos corações para os gozos puros e imperecíveis do futuro.