Bicorporeidade
Bicorporeidade: O Que é e o Que Nos Diz Kardec a Respeito
A bicorporeidade é um dos fenômenos mais intrigantes e fascinantes estudados pela doutrina espírita. Trata-se da capacidade de uma pessoa se manifestar em dois lugares distintos ao mesmo tempo, gerando a impressão de que possui dois corpos simultaneamente. Este fenômeno, embora possa parecer extraordinário ou até mesmo inacreditável para muitos, é abordado de maneira clara e precisa por Allan Kardec em suas obras, especialmente em O Livro dos Médiuns.
Exploraremos minuciosamente o conceito de bicorporeidade, suas implicações e as explicações fornecidas por Kardec e outros estudiosos do espiritismo, como Gabriel Delanne e Demétrio Pável Bastos. A partir dos trechos que foram previamente discutidos, desenvolveremos uma compreensão profunda deste fenômeno, buscando elucidá-lo sob a luz da doutrina espírita.
O Conceito de Bicorporeidade
A bicorporeidade, segundo a definição de Allan Kardec, refere-se ao fenômeno em que o Espírito de uma pessoa viva se desdobra, projetando-se para fora do corpo físico, e se manifesta em outro local, muitas vezes a grandes distâncias. O Espírito, ao se projetar, pode se tornar visível e até tangível, causando a impressão de que a pessoa está presente em dois lugares ao mesmo tempo.
Kardec explica em O Livro dos Médiuns que a bicorporeidade não é um fenômeno sobrenatural, mas sim uma manifestação natural do Espírito, que pode se libertar temporariamente do corpo físico durante o sono ou em estados semelhantes ao êxtase.
Durante o sono, o Espírito readquire parte de sua liberdade, podendo se deslocar e se manifestar em locais diferentes daquele onde o corpo repousa. Essa manifestação pode ser tão real que a pessoa desdobrada pode ser vista, ouvida e até interagir com o ambiente, como se estivesse fisicamente presente.
A bicorporeidade, portanto, é uma expressão da capacidade do Espírito de se desdobrar e atuar fora do corpo material, sem que este perca sua vitalidade. Este fenômeno ilustra a complexidade da relação entre o Espírito e o corpo físico, bem como as possibilidades de manifestação espiritual que vão além das limitações impostas pela matéria.
Exemplos Históricos e Relatos de Bicorporeidade
Para ilustrar o fenômeno da bicorporeidade, Allan Kardec traz exemplos históricos de figuras religiosas que supostamente vivenciaram esse desdobramento espiritual. Dois casos notáveis mencionados por Kardec são os de Santo Afonso de Liguori e Santo Antônio de Pádua, ambos canonizados pela Igreja Católica.
Santo Afonso de Liguori é conhecido por ter sido visto em dois lugares diferentes ao mesmo tempo, fato que foi considerado milagroso e contribuiu para sua canonização. Segundo o relato, Santo Afonso, enquanto se encontrava em um local, foi visto simultaneamente em outro, realizando ações que foram comprovadas por testemunhas em ambos os lugares.
Kardec utiliza este exemplo para demonstrar que a bicorporeidade é um fenômeno real, que pode ser explicado pela doutrina espírita como uma manifestação do Espírito desdobrado.
Outro exemplo é o de Santo Antônio de Pádua, que estava pregando na Itália enquanto seu pai, em Lisboa, estava prestes a ser executado injustamente. No momento da execução, Santo Antônio apareceu em Lisboa e conseguiu provar a inocência de seu pai, salvando-o da morte.
Posteriormente, verificou-se que Santo Antônio continuava pregando na Itália ao mesmo tempo em que era visto em Lisboa. Este evento também é explicado por Kardec como um caso de bicorporeidade, onde o Espírito de Santo Antônio se desdobrou e se manifestou em um lugar distante para cumprir uma missão importante.
Esses relatos, extraídos da história eclesiástica, são usados por Kardec para demonstrar que a bicorporeidade não é apenas uma lenda ou superstição, mas sim um fenômeno real, que pode ser explicado à luz da doutrina espírita.
A Natureza do Fenômeno e as Explicações de Kardec
Em O Livro dos Médiuns, Kardec aborda a bicorporeidade como uma variedade das manifestações visuais, que se baseia nas propriedades do perispírito. O perispírito, conforme a doutrina espírita, é o envoltório semimaterial que conecta o Espírito ao corpo físico. É através do perispírito que o Espírito interage com o mundo material, e é ele que se desdobra durante a bicorporeidade.
Kardec explica que o perispírito de uma pessoa viva possui as mesmas propriedades que o perispírito de um desencarnado, permitindo que o Espírito se manifeste visivelmente em outro local. O fenômeno é descrito como natural e não sobrenatural, pois se fundamenta nas leis que regem o mundo espiritual e sua interação com o mundo material.
A tangibilidade do perispírito, que é mencionada por Kardec, ocorre quando o Espírito, ao se desdobrar, se torna suficientemente denso para interagir fisicamente com o ambiente. Essa tangibilidade é temporária e depende das condições espirituais e físicas do Espírito manifestante.
Kardec também destaca que o fenômeno da bicorporeidade não requer necessariamente que o corpo físico esteja em sono profundo. Embora o sono seja a condição mais comum para que o Espírito se desprenda do corpo, Kardec menciona que a bicorporeidade pode ocorrer em estados de êxtase ou em situações em que o Espírito é atraído para outro local por uma necessidade urgente. Nesse caso, o corpo físico pode não estar completamente adormecido, mas se encontra em um estado alterado de consciência.
As Contribuições de Gabriel Delanne
Gabriel Delanne, um dos principais continuadores da obra de Kardec, também estudou o fenômeno da bicorporeidade, oferecendo contribuições importantes para a compreensão deste fenômeno. Em sua obra A Alma é Imortal, Delanne afirma que o Espírito, ao se desdobrar, pode não apenas se tornar visível, mas também interagir fisicamente com o ambiente, como conversar, tocar objetos e até ingerir alimentos.
Ele explica que essas manifestações não podem ser meras alucinações ou criações da mente, mas sim materializações reais do Espírito de uma pessoa viva.
Delanne também observa que a bicorporeidade geralmente ocorre quando o corpo físico está em sono profundo ou em um estado onde os laços que prendem o Espírito ao corpo estão enfraquecidos, como em situações de forte emoção ou doença. Além disso, ele menciona que as práticas magnéticas ou o uso de agentes anestésicos podem induzir estados de desdobramento espiritual, facilitando a ocorrência da bicorporeidade.
Outro ponto importante levantado por Delanne é a identidade do Espírito manifestante com o corpo físico. Ele afirma que o Espírito, ao se desdobrar, mantém uma cópia fiel do corpo terrestre, reproduzindo não apenas os contornos exteriores, mas também a estrutura íntima do perispírito, o que explica a semelhança entre o corpo físico e o corpo espiritual manifestado.
Bicorporeidade: Fenômeno Mediúnico ou Anímico?
Uma questão relevante no estudo da bicorporeidade é se este fenômeno deve ser classificado como mediúnico ou anímico. No meio espírita, há diferentes opiniões a esse respeito. Alguns consideram a bicorporeidade um fenômeno mediúnico, onde o Espírito de uma pessoa viva se manifesta em outro lugar com o auxílio de Espíritos desencarnados.
Outros, como Demétrio Pável Bastos, classificam a bicorporeidade como um fenômeno anímico, ou seja, uma auto materialização do Espírito, sem a intervenção de Espíritos desencarnados.
Em seu livro Médium – Quem é, Quem não é, Bastos argumenta que a bicorporeidade é, em última análise, uma manifestação do próprio Espírito do indivíduo, operando por si mesmo sem a necessidade de intermediários espirituais.
Segundo ele, o fenômeno ocorre quando o Espírito se desdobra e se materializa em outro lugar, mantendo-se conectado ao corpo físico por um laço fluídico. Essa visão coloca a bicorporeidade como um fenômeno anímico, distinto dos fenômenos mediúnicos tradicionais, onde a presença de um Espírito desencarnado é essencial.
Allan Kardec, por sua vez, não oferece uma classificação definitiva, mas sugere que a bicorporeidade pode ser entendida como um fenômeno natural que ocorre no âmbito das manifestações espirituais, sem necessariamente exigir a participação de outros Espíritos. Ele enfatiza que a bicorporeidade é um desdobramento do Espírito encarnado, que, ao se libertar temporariamente do corpo, pode se manifestar em outro local, mantendo sua conexão com o corpo físico.
Considerações Finais
A bicorporeidade é um fenômeno que desafia nossa compreensão tradicional da realidade, ao mostrar que o Espírito humano possui capacidades que vão além das limitações físicas. Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, oferece uma explicação detalhada e fundamentada sobre como este fenômeno ocorre, baseando-se nas propriedades do perispírito e na liberdade que o Espírito pode readquirir em estados de sono ou êxtase.
Os relatos históricos e os exemplos apresentados por Kardec, como os de Santo Afonso de Liguori e Santo Antônio de Pádua, ilustram que a bicorporeidade não é apenas uma teoria, mas uma realidade espiritual que foi observada e registrada ao longo da história. As contribuições de Gabriel Delanne e Demétrio Pável Bastos complementam essa visão, oferecendo diferentes perspectivas sobre a natureza anímica ou mediúnica do fenômeno.
Em suma, a bicorporeidade nos revela a profundidade e a complexidade do ser espiritual, mostrando que o Espírito, mesmo enquanto encarnado, possui uma liberdade que lhe permite transcender as barreiras físicas e manifestar-se em múltiplos lugares. Esta compreensão amplia nossa visão da existência e nos convida a explorar as infinitas possibilidades que a vida espiritual nos oferece.
Ao estudar a bicorporeidade sob a luz da doutrina espírita, compreendemos que o Espírito, mesmo preso ao corpo físico, é dotado de uma essência imortal e capaz de se desdobrar e atuar em dimensões que ainda estamos longe de compreender plenamente. E é nesse desdobramento que encontramos uma das mais belas manifestações da liberdade espiritual, que nos aproxima do entendimento de nossa verdadeira natureza como seres imortais e infinitamente expansivos.