13 de outubro de 2025

A Verdadeira Propriedade

Por O Redator Espírita
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A Verdadeira Propriedade: Ensinamentos do Evangelho

O trecho de O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVI — “Não se pode servir a Deus e a Mamon”, item 9, intitulado A Verdadeira Propriedade, oferece um ensinamento profundo sobre o real sentido de possuir. Nele, o Espírito Pascal propõe uma reflexão que transcende a simples relação do homem com os bens materiais. Ele nos convida a compreender que a verdadeira riqueza não está no que se acumula na Terra, mas no que se leva consigo após a morte: a inteligência, os conhecimentos e as qualidades morais.

Esta mensagem contém implicações filosóficas e morais de imensa profundidade. Ao examinar suas linhas, somos convidados a repensar nossas prioridades e o valor real das coisas que ocupam nossa vida.

A partir desse ensinamento, o presente artigo analisará os significados espirituais do texto, suas consequências éticas e suas aplicações práticas na vivência espírita contemporânea.

O Verdadeiro Sentido da Posse

Logo nas primeiras palavras, o Espírito Pascal afirma: “O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo.” A afirmação subverte a lógica materialista que domina a vida social. O que o homem encontra ao nascer e deixa ao morrer é usufruto, não propriedade.

Nessa perspectiva, o corpo e tudo o que a ele se relaciona — roupas, casa, status, bens, cargos — pertencem à esfera transitória. São empréstimos concedidos para o aprendizado e a evolução, não conquistas permanentes. A morte, nesse sentido, é o grande equalizador das ilusões, revelando o que é realmente nosso.

Se somente a inteligência, os conhecimentos e as qualidades morais podem ser levados, então o que de fato possuímos são os frutos de nossa própria alma. São as experiências assimiladas, os sentimentos aprimorados e as virtudes conquistadas pelo esforço interior. Todo o resto, por mais valioso que pareça, é passageiro.

A Bagagem Espiritual: Preparação para a Vida Futura

Pascal utiliza uma imagem pedagógica extraordinária: o viajante que se prepara para uma jornada a um país distante. Ele não leva objetos inúteis, mas apenas aquilo que será útil em seu destino. Assim também é o homem diante da vida futura.

Essa metáfora expressa o propósito essencial da existência terrena: preparar a bagagem espiritual. Cada ato de amor, cada gesto de tolerância, cada esforço de aprendizado é um item que se deposita nessa mala invisível. A vida corporal, por conseguinte, torna-se uma escola e um período de trabalho intensivo em favor do próprio progresso.

O desapego, portanto, não significa renúncia ao bem-estar ou desprezo pelo mundo, mas a consciência de que o uso dos bens deve ser sábio e transitório. O que se deve cultivar é o desprendimento interior, a liberdade moral diante da posse. Possuir sem ser possuído, usar sem se escravizar — eis o equilíbrio que o Evangelho recomenda.

A Justiça Divina e os Critérios da Verdadeira Riqueza

O texto prossegue com uma advertência que corrige as ilusões humanas: ao chegar ao mundo espiritual, ninguém será indagado sobre o quanto possuía na Terra ou sobre o título que ostentava. As perguntas serão de outra natureza: “Que trazes contigo?”

Aqui se manifesta a essência da Justiça divina, que não se apoia em privilégios sociais, mas em méritos morais. A igualdade espiritual se estabelece por meio de critérios universais e incorruptíveis. O ouro e as posições mundanas, que tanto valem aos olhos humanos, nada significam na contabilidade divina.

A única riqueza que será avaliada é a soma das virtudes. Sob essa ótica, o operário humilde pode ser mais rico que o príncipe, porque sua bagagem moral talvez seja mais abundante. O Evangelho, assim, desconstrói as hierarquias artificiais criadas pelo egoísmo humano e proclama a supremacia do mérito moral sobre a aparência social.

“Os Lugares Aqui Não se Compram”: O Valor da Prática do Bem

Uma das frases mais poderosas do texto é esta:

“Os lugares aqui não se compram: conquistam-se por meio da prática do bem.”

Ela destrói qualquer pretensão de “comprar” a salvação, seja por dinheiro, por oferendas ou por aparências religiosas. A entrada nas moradas espirituais superiores não se dá por doações, títulos ou influência, mas pela autenticidade do bem vivido.

O Espírito Pascal estabelece, assim, um princípio de justiça moral absoluta: na economia divina, a moeda válida é a virtude. O amor, o perdão, a humildade e a caridade são o verdadeiro tesouro da alma. Nada mais tem valor permanente.

Essa lição denuncia o equívoco de tantos que acreditam poder compensar vidas egoístas com esmolas derradeiras ou práticas exteriores de piedade. O bem que liberta é o bem praticado com sinceridade, sem interesse ou ostentação.

O Operário e o Príncipe: Lições de Igualdade Moral

Ao comparar o operário e o príncipe, Pascal não exalta a pobreza nem condena a riqueza. O que ele faz é redefinir os critérios de grandeza. No plano espiritual, não há nobreza hereditária nem distinção por nascimento. O valor do ser é medido pela pureza das intenções e pelo uso que faz das oportunidades.

O operário que exerce sua profissão com honestidade, humildade e dedicação ao bem comum é um rico espiritual. Sua labuta diária, revestida de amor e esforço, torna-se bênção e conquista perene. Já o príncipe que vive apenas para o luxo e o egoísmo, mesmo cercado de ouro, é pobre em valores eternos.

Esse ensinamento tem profunda atualidade. Ele dissolve a ilusão social de que a posição define o valor e convoca cada indivíduo a reconhecer que a verdadeira dignidade não depende do que se possui, mas do que se é.

O Desapego e o Uso Justo dos Bens

Compreender que os bens terrenos são apenas usufruto não significa negar-lhes a importância relativa. A vida material é instrumento de progresso; os recursos e talentos são meios de aprendizado e de auxílio. O problema está no apego excessivo, que aprisiona o espírito e o faz esquecer o propósito da existência.

O uso justo da riqueza é aquele que favorece o crescimento moral, tanto do indivíduo quanto do próximo. O homem de posses é chamado à responsabilidade, não ao desprezo do mundo. Quando administra seus bens com consciência, transformando-os em instrumentos de caridade, cria um bem que o acompanhará para além do túmulo.

O verdadeiro desapego é, pois, interior: consiste em dominar os instintos de posse e poder, e não em fugir da vida. O rico desapegado e o pobre revoltado podem estar igualmente distantes da sabedoria evangélica. O equilíbrio é a marca do espírito que compreende o valor real das coisas.

Trabalho, Inteligência e Conhecimento: Tesouros da Alma

Pascal aponta três elementos como propriedade real da alma: inteligência, conhecimentos e qualidades morais.

Esses três tesouros são o alicerce da verdadeira evolução. A inteligência é a capacidade de pensar, discernir e compreender as leis da vida; os conhecimentos representam a aplicação dessa inteligência ao estudo e à experiência; e as qualidades morais são o refinamento ético que dirige o uso do saber para o bem.

A vida na Terra é o campo de cultivo desses valores. Cada experiência, por mais simples que pareça, é uma lição que amplia a inteligência e fortalece o caráter. Assim, o estudo, o trabalho e a convivência tornam-se meios sagrados de progresso espiritual.

O trabalhador que se dedica com honestidade, o estudante que busca compreender para servir, o pai ou a mãe que educam com amor — todos esses espíritos, independentemente de sua condição social, estão acumulando riquezas imperecíveis.

A Vida como Escola de Aquisições Morais

O trecho de A Verdadeira Propriedade revela que o mundo corporal é uma escola, e não um campo de conquistas definitivas. O corpo é um instrumento de aprendizado, e os desafios da existência são oportunidades de edificação interior.

Cada encarnação representa uma etapa no longo caminho do aperfeiçoamento espiritual. A inteligência e a moralidade são ampliadas à medida que o espírito aprende a lidar com as provas e expiações que a vida impõe.

Nessa perspectiva, o sofrimento adquire novo sentido: não é castigo, mas lição. A dor purifica, desperta a compaixão e ensina a humildade. Assim, o que o homem considera perda pode ser, em verdade, um ganho para sua alma.

A Igualdade Espiritual e a Mobilidade do Espírito

Ao afirmar que “depende dos seus haveres o lugar para onde vá”, o Espírito Pascal ensina que a posição do homem no além é consequência natural de sua condição íntima.

No entanto, essa posição não é estática. A lei do progresso, um dos pilares da Doutrina Espírita, garante que todos os seres estão destinados à perfeição. Os que chegam a regiões inferiores podem ascender, e os que estão em planos elevados podem descer, se se deixarem dominar pelo orgulho ou pela negligência.

A igualdade espiritual, portanto, não significa uniformidade, mas justiça dinâmica. Cada espírito ocupa, em cada momento, o lugar que corresponde ao seu estado interior. A ascensão é possível a todos, e a queda, igualmente, é consequência do uso incorreto da liberdade.

O Cultivo da Verdadeira Riqueza no Cotidiano

Compreender os ensinos de A Verdadeira Propriedade exige aplicá-los à vida diária. A cada instante, o homem decide que tipo de riqueza está acumulando.

Para cultivar a verdadeira riqueza, é necessário desenvolver hábitos de reflexão, prática do bem e autoconhecimento. O Evangelho convida à ação moral constante — não à passividade contemplativa.

Três caminhos práticos se apresentam:

  1. Educar a mente, ampliando os conhecimentos e o senso crítico, pois a ignorância é uma forma de pobreza espiritual.
  2. Educar o coração, praticando o amor, o perdão e a empatia, virtudes que alimentam o progresso da alma.
  3. Educar as ações, transformando o cotidiano em campo de caridade e serviço, onde cada gesto simples se converte em luz.

Esses três exercícios — intelectual, moral e prático — formam o tripé do enriquecimento espiritual.

A Fé Viva e a Transformação Interior

A fé, quando autêntica, traduz-se em obras. Crer sem agir é como possuir um tesouro enterrado e nunca o utilizar.

O trecho de Pascal reforça essa verdade ao afirmar que os lugares espirituais se conquistam pela prática do bem. Isso implica que a fé deve ser dinâmica, construtiva, alimentada por atitudes coerentes. A prece, o estudo e o serviço ao próximo são expressões dessa fé viva, que ilumina e transforma.

A verdadeira propriedade espiritual, portanto, não se acumula por meio de dogmas ou rituais, mas pela experiência diária do amor em ação.

O Tesouro que a Morte Não Rouba

O ensino de A Verdadeira Propriedade é um convite à libertação das ilusões e à redescoberta do valor essencial da vida. O homem nada possui verdadeiramente do que é de uso do corpo, mas é senhor absoluto do que cultiva na alma.

A inteligência, os conhecimentos e as virtudes formam o patrimônio imperecível que nos acompanhará após a morte. São essas as moedas do mundo espiritual, as únicas que mantêm valor em qualquer tempo e lugar.

Compreender isso é mudar a direção da existência. A vida deixa de ser corrida por conquistas exteriores e torna-se jornada de crescimento interior. O corpo, o lar, o trabalho e as relações humanas transformam-se em instrumentos de aprendizado, e não em fins em si mesmos.

Que possamos, pois, seguir o conselho do Espírito Pascal e preparar, desde agora, a bagagem que realmente importará. Façamos da inteligência uma lâmpada, do conhecimento um guia e das virtudes um escudo. Assim, quando o instante da partida chegar, poderemos responder com serenidade à pergunta que nos será feita:

“Que trazes contigo?”

E então, com humildade e alegria, poderemos dizer: trago o que aprendi, o que amei e o que procurei ser de melhor. Essa é a verdadeira propriedade — o tesouro que a morte não rouba.