Afastamento de Males
Podem os Espíritos Afastarem Males de Nós?

A busca pela compreensão do sofrimento e dos males que nos atingem ao longo da existência é uma das inquietações mais profundas da alma humana. Em todas as épocas, desde as civilizações mais antigas, o ser humano se pergunta: “Por que sofremos?” ou “Será possível evitar o sofrimento?”. A Doutrina Espírita, com seu corpo doutrinário claro e profundamente consolador, nos oferece não apenas respostas racionais para essas indagações, mas também caminhos de renovação interior que nos libertam da dor, iluminando nossa consciência com o Evangelho de Jesus e os esclarecimentos dos Espíritos superiores.
Neste artigo, propomos um estudo aprofundado da pergunta 532 de O Livro dos Espíritos, codificado por Allan Kardec, que trata diretamente da possibilidade de os Espíritos afastarem de nós certos males e favorecerem-nos com prosperidade. Para expandir a análise, utilizaremos também o comentário do Espírito Miramez, constante na obra Filosofia Espírita, psicografada por João Nunes Maia, cujos ensinamentos ampliam de forma admirável o entendimento espiritual do tema.
Trataremos aqui não apenas do papel dos Espíritos benfeitores em nossas vidas, mas sobretudo da importância da reforma íntima, do uso consciente da inteligência, da resignação diante das provas e, principalmente, da compreensão de que o verdadeiro afastamento do mal começa em nós mesmos.
O Conteúdo da Pergunta 532: Uma Visão Inicial
“Têm os Espíritos o poder de afastar de certas pessoas os males e de favorecê-las com a prosperidade?”
A resposta dos Espíritos é clara, equilibrada e profundamente pedagógica:
“De todo, não; porquanto, há males que estão nos decretos da Providência. Amenizam-vos, porém, as dores, dando-vos paciência e resignação.
Ficai igualmente sabendo que de vós depende muitas vezes poupar-vos aos males, ou, quando menos, atenuá-los. A inteligência, Deus vo-la outorgou para que dela vos sirvais e é principalmente por meio da vossa inteligência que os Espíritos vos auxiliam, sugerindo-vos ideias propícias ao vosso bem. Mas, não assistem senão os que sabem assistir-se a si mesmos.
Esse o sentido destas palavras: Buscai e achareis, batei e se vos abrirá.
Sabei ainda que nem sempre é um mal o que vos parece sê-lo. Frequentemente, do que considerais um mal sairá um bem muito maior. Quase nunca compreendeis isso, porque só atentais no momento presente ou na vossa própria pessoa.”
Este texto é um verdadeiro tratado sobre o funcionamento da justiça divina e do papel da assistência espiritual. Nele estão contidos ensinamentos sobre mérito, responsabilidade, uso da inteligência, resignação e a visão limitada que temos dos acontecimentos que nos envolvem. Vejamos agora, em detalhes, cada um dos aspectos essenciais desse ensinamento.
A Missão dos Espíritos Protetores
A Doutrina Espírita ensina que todos nós temos um Espírito protetor — também chamado de anjo da guarda — cuja função é nos orientar, nos inspirar e nos ajudar a trilhar o caminho do bem. No entanto, é preciso desfazer o equívoco de imaginar que esses Espíritos interferem diretamente em nossas vidas para evitar qualquer mal que se aproxime. Isso não corresponde à realidade da Lei Divina.
A proteção espiritual não significa imunidade contra os males, tampouco privilégios espirituais. Os Espíritos benfeitores são orientadores, não são executores de desejos egoístas ou agentes mágicos de soluções imediatas. Eles respeitam o livre-arbítrio e as provas necessárias para o nosso crescimento. Como nos ensina a resposta da pergunta 532, há sofrimentos que fazem parte dos desígnios divinos, e mesmo estes podem ser abrandados com o auxílio dos Espíritos, desde que nos coloquemos em sintonia com eles.
O Livre-Arbítrio e a Responsabilidade Individual
A frase “de vós depende muitas vezes poupar-vos aos males” é uma chave interpretativa da questão. Ela nos remete ao princípio da responsabilidade espiritual, um dos pilares da Doutrina Espírita. Cada um colhe os frutos das próprias escolhas e, ao mesmo tempo, pode modificar o curso dos acontecimentos por meio da transformação moral e da sabedoria no agir.
A espiritualidade não impõe proteção a quem vive em desarmonia com as Leis Divinas. Não se trata de punição, mas de respeito à liberdade individual. Os males que atraímos para nossas vidas têm frequentemente origem em atitudes imprudentes, em pensamentos negativos, em desequilíbrios emocionais, em vícios e paixões descontroladas. Os Espíritos protetores não nos impedem de colher o que semeamos, mas estão ao nosso lado para nos fortalecer e nos ajudar a compreender o valor da colheita, mesmo que amarga.
O Papel da Inteligência: Ferramenta Divina
Outro ponto essencial é a ênfase que os Espíritos dão ao uso da inteligência. Dizem: “A inteligência, Deus vo-la outorgou para que dela vos sirvais e é principalmente por meio da vossa inteligência que os Espíritos vos auxiliam”.
Essa colocação revela que a assistência espiritual ocorre sobretudo por vias sutis, por meio da inspiração, da sugestão de ideias construtivas, do bom senso. Quando estudamos, refletimos e cultivamos pensamentos elevados, ampliamos nossa sintonia com os benfeitores espirituais e abrimos espaço em nossa mente para que eles nos inspirem. Assim, evitamos muitos males pela simples prudência, pela escolha acertada, pelo uso da razão e da moral.
O verdadeiro afastamento do mal se inicia quando a criatura age com discernimento e se alinha às Leis Divinas, compreendendo que o bem deve nascer da consciência lúcida e não da dependência externa.
A Interpretação de Miramez: Aprofundamento Moral e Espiritual
Na obra Filosofia Espírita, o Espírito Miramez aprofunda com beleza e profundidade o conteúdo da pergunta 532. Ele reconhece que os protetores espirituais podem afastar certos males, sim, mas que isso está condicionado à transformação interior do protegido. Afirma:
“De certo modo, os protetores espirituais afastam das pessoas certos males que as fazem sofrer, mas tudo depende da própria pessoa, se se arrepende sinceramente de ter se desviado da lei.”
Aqui, o arrependimento é apresentado como condição para a ação mais efetiva do amparo espiritual. Os Espíritos de luz não são instrumentos de conveniência para o alívio imediato das consequências do mal. Eles operam dentro de um campo vibratório de justiça, amor e méritos. Aquele que se esforça pela prática do bem, que estuda e aplica o que aprendeu, passa a estar em sintonia com as faixas superiores da espiritualidade, e essa conexão permite que os males sejam atenuados ou desviados conforme o merecimento.
Miramez ainda nos alerta que muitos males são “mensagens de Deus”, convites à reflexão, à humildade e à elevação. A dor, por mais incômoda que seja, é muitas vezes o recurso mais eficaz para provocar a renovação da alma. A providência divina é perfeita em sua pedagogia.
O Mal que Ensina: Dor com Propósito
Muitos males, como enfermidades, perdas materiais ou de entes queridos, são experiências profundamente dolorosas, mas que encerram lições preciosas. Miramez afirma:
“Há males que se transformam em bem, como certos infortúnios e enfermidades prolongadas. Se Deus permite que sofras, é com o objetivo de elevação espiritual…”
E acrescenta que mesmo esses males podem ser amenizados pelo modo como os recebemos. Eis aqui uma lição de profunda sabedoria: o sofrimento é relativo. A dor pode ter seu impacto reduzido quando a recebemos com resignação, com fé, com compreensão do seu papel educativo. A revolta amplia a dor; a confiança na justiça de Deus a suaviza.
Assim, podemos dizer que o afastamento do mal não é apenas uma questão de intervenção espiritual, mas, acima de tudo, de posicionamento interior. O Espírito resignado e confiante em Deus sofre menos, mesmo que as circunstâncias externas permaneçam difíceis.
A Educação Moral como Chave para o Bem-Estar
A Doutrina Espírita insiste no valor da educação moral. O próprio Miramez aconselha:
“Não precisas, por enquanto, querer conhecer tanta coisa, tantas filosofias espirituais; começa, em primeiro lugar, a educar os teus impulsos, as tuas paixões inferiores…”
Esse é um conselho precioso. O mal não está fora, mas dentro de nós. Nossas más tendências, nossas imperfeições morais, são as verdadeiras fontes do sofrimento. A espiritualidade superior não está preocupada em nos livrar de consequências momentâneas, mas em nos ajudar a extirpar as causas profundas dos males: o orgulho, o egoísmo, a vaidade, o ódio, a intolerância.
O Espírito que se empenha sinceramente na sua reforma íntima atrai para si as forças benéficas do Universo. Os Espíritos amigos investem em quem busca a melhora verdadeira. Eles acompanham com alegria os passos daqueles que, com humildade, querem mudar.
Conclusão: A Transformação Pessoal e a Assistência Espiritual
A pergunta 532 de O Livro dos Espíritos e o comentário do Espírito Miramez nos oferecem uma resposta clara e justa: os Espíritos podem, sim, afastar certos males de nós, mas isso está intimamente ligado à nossa disposição de nos reformar, de usar bem nossa inteligência, de confiar na Providência e de aceitar com resignação os caminhos do aprendizado.
A assistência espiritual é real, constante e amorosa, mas não substitui o nosso esforço. Devemos compreender que os males que nos cercam não são, necessariamente, castigos ou injustiças, mas instrumentos de progresso e aprendizado.
Para que o mal se afaste de nossas vidas, é preciso que nos afastemos moralmente dele, cultivando o bem em nossos pensamentos, sentimentos e ações. A luz do amor e da verdade deve nascer dentro de nós, para que possamos receber, com sintonia e gratidão, o amparo daqueles que Deus coloca em nossos caminhos.
O verdadeiro afastamento do mal começa com o despertar da consciência. Quando nos iluminamos por dentro, como disse Miramez, o amor se manifesta por fora, e o mundo, aos poucos, se transforma em reflexo da nossa melhoria interior.