21 de abril de 2025

Bem e Mal Sofrer

Por O Redator Espírita
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Bem e Mal Sofrer: A Escolha Consciente da Alma diante das Provas Terrenas

A vida na Terra, conforme ensina a Doutrina Espírita, é uma escola bendita onde o Espírito, encarnado em corpo material, vivencia experiências necessárias ao seu progresso moral e intelectual. No entanto, tais experiências frequentemente se apresentam sob a forma de dores, dificuldades e sofrimentos que, à primeira vista, parecem castigos imerecidos ou crueldades do destino. Nesse contexto, destaca-se a lição sublime contida no capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, sob o título “Bem-aventurados os aflitos”, particularmente no item 18, intitulado “Bem e mal sofrer”, cuja autoria espiritual é atribuída ao Espírito Lacordaire.

Este artigo tem por objetivo desenvolver, de forma clara e profunda, os ensinamentos contidos nesse trecho, analisando suas implicações morais e espirituais para o ser humano, sob a ótica da Doutrina Espírita. Será uma jornada que convida à reflexão sobre o significado do sofrimento, a importância da resignação, da coragem e da fé diante das provas da vida, e, sobretudo, sobre o poder transformador da forma como escolhemos vivenciá-las.

O Sofrimento como Experiência Universal

Lacordaire inicia sua mensagem com uma importante distinção: “Quando o Cristo disse: ‘Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence’, não se referia de modo geral aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra…”. Essa observação desfaz, desde o início, qualquer interpretação simplista do sofrimento como uma virtude em si mesma. O sofrimento é, de fato, uma condição inerente à vida na Terra, um planeta de provas e expiações onde Espíritos, ainda imperfeitos, resgatam débitos pretéritos, enfrentam desafios para seu aprimoramento e são convidados à edificação interior.

Todos sofrem, ricos e pobres, saudáveis e enfermos, poderosos e humildes. O sofrimento é democrático, não escolhe posição social ou cultural, pois sua origem não reside nas aparências externas da vida, mas nas necessidades do Espírito que habita o corpo.

Essa constatação nos conduz a uma pergunta fundamental: se todos sofrem, por que uns são considerados “bem-aventurados” e outros não? A resposta é o cerne da lição de Lacordaire: não basta sofrer, é necessário saber sofrer.

A Diferença entre Bem e Mal Sofrer

O Espírito comunicante esclarece que “poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus”. Aqui, temos um ponto crucial da pedagogia espírita: o sofrimento é instrumento de elevação apenas quando enfrentado com resignação, coragem e fé.

Sofrer bem significa:

Aceitar as provas sem revolta, compreendendo que elas têm uma razão de ser no plano divino.

Confiar na justiça e na bondade de Deus, mesmo quando tudo parece obscurecido pela dor.

Utilizar o sofrimento como degrau de ascensão espiritual, extraindo dele as lições necessárias ao aprimoramento do caráter.

Por outro lado, mal sofrer é:

Revoltar-se contra as circunstâncias, vendo-se como vítima de um destino cruel.

Entregar-se ao desânimo e à desesperança, perdendo a fé em Deus e em si mesmo.

Cultivar sentimentos de injustiça, mágoa ou ódio, envenenando a alma e intensificando a dor.

A diferença, portanto, não está no sofrimento em si, mas na postura interior de quem o vivencia. A mesma prova que pode engrandecer um Espírito pode degradar outro, conforme a disposição íntima com que ela é enfrentada.

O Desânimo como Falta e Obstáculo ao Progresso

Lacordaire afirma com clareza: “O desânimo é uma falta.” Essa sentença pode soar dura a ouvidos despreparados, mas guarda uma sabedoria profunda. Na ótica espírita, o desânimo é uma forma de recusa ao aprendizado, uma negação do esforço necessário para superar a si mesmo. Não se trata de desconsiderar a dor legítima, nem de exigir heroísmo inumano, mas de reconhecer que a vida terrena exige resistência espiritual.

O desânimo fecha as portas à ação da esperança, obscurece a luz da fé e impede que o Espírito enxergue o propósito superior de sua dor. Como bem diz o trecho: “Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem.” Não porque Deus seja punitivo ou severo, mas porque a consolação divina só pode ser sentida por quem se abre à sua presença. A prece, embora essencial, não opera milagres se não estiver alicerçada na fé viva.

A Justiça de Deus e o Peso das Provas

A frase “Deus não coloca fardos pesados em ombros fracos” tornou-se proverbial entre os espíritas, por sua beleza e profundo significado. Trata-se de um princípio reconfortante da Justiça Divina: ninguém é submetido a provas além de suas forças.

Cada Espírito, antes de reencarnar, tem a possibilidade de aceitar os desafios que enfrentará, e o faz com plena consciência de que essas experiências serão úteis ao seu progresso. A dor, portanto, não é aleatória, tampouco punitiva no sentido humano do termo. É remédio, tratamento, oportunidade de crescimento.

Além disso, o Espírito esclarece que “a recompensa será proporcionada à resignação e à coragem”, ou seja, não basta suportar as provações com passividade; é preciso enfrentá-las com dignidade espiritual, transformando-as em oportunidades de prática das virtudes cristãs: paciência, perdão, humildade, fé, esperança.

A Luta Espiritual e a Verdadeira Coragem

Um trecho de particular beleza simbólica é a comparação feita com o militar que deseja ser enviado para a linha de frente da batalha. Lacordaire afirma: “O militar que não é mandado para as linhas de fogo fica descontente, porque o repouso no campo nenhuma ascensão de posto lhe faculta.” É uma metáfora poderosa: o Espírito que busca evoluir não deve temer a luta, mas acolhê-la como oportunidade de ascensão.

As provas, as dificuldades e as aflições representam a arena onde se forjam os grandes valores do Espírito. A verdadeira coragem não se revela apenas nos atos heroicos diante do perigo físico, mas na persistência diária em fazer o bem, manter-se íntegro, cultivar a fé, mesmo quando tudo convida à desistência.

Por vezes, é mais difícil manter-se sereno diante de uma decepção moral do que diante de um desafio físico. O Espírito nos convida a valorizar essa coragem silenciosa, sem medalhas, mas que é conhecida por Deus.

A Vitória Íntima: “Fui o mais forte.”

Um dos momentos mais inspiradores da mensagem é o convite à autoavaliação vitoriosa: “Quando houverdes conseguido dominar os ímpetos da impaciência, da cólera, ou do desespero, dizei, de vós para convosco, cheio de justa satisfação: ‘Fui o mais forte.’”

Esse “ser o mais forte” não é um ato de orgulho, mas de consciência moral. É o reconhecimento íntimo de que, mesmo em meio à dor, escolhemos a luz, o bem, a confiança. É o triunfo do Espírito sobre o instinto, da fé sobre a dúvida, da paz sobre o tumulto.

Essa pequena frase encerra uma grande conquista: o domínio de si mesmo — verdadeiro sinal de evolução espiritual.

A Nova Interpretação das Bem-Aventuranças

Ao final, Lacordaire propõe uma tradução mais precisa da bem-aventurança: “Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus…”

Essa reformulação amplia e aprofunda o ensinamento de Jesus, apresentando a aflição como o campo de provas das virtudes evangélicas. A alegria prometida aos bem-aventurados não é apenas futura, nos céus, mas também presente, pois quem sofre bem já sente, no íntimo, a paz de estar cumprindo seu papel com fidelidade à Lei Divina.

A dor deixa de ser um martírio cego e se torna um caminho de transformação. A resignação consciente, longe de ser passividade, é ação espiritual em estado elevado, é atitude ativa de quem escolhe viver com propósito.

Conclusão

O estudo do item 18 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, oferece uma chave poderosa de compreensão para todos aqueles que sofrem — ou seja, para toda a humanidade encarnada. O Espírito Lacordaire não nega a dor, tampouco a romantiza. Ele nos oferece uma visão lúcida, firme e profundamente consoladora: a dor é instrumento, não castigo; é meio, não fim; é degrau, não abismo.

Saber sofrer é escolher crescer. É elevar-se acima das circunstâncias e confiar na perfeição dos desígnios divinos. É viver cada dia com coragem, sem desânimo, com fé operante e olhos voltados ao alto.

Que possamos, todos nós, diante da próxima provação — pequena ou grande — relembrar essa lição e dizer com a alma firme: “Fui o mais forte.” E, com isso, dar mais um passo rumo ao Reino dos Céus, que começa no coração resignado e confiante.