Bênçãos e Maldições
Bênçãos e Maldições: O que nos diz o Espiritismo?
Um estudo à luz da pergunta 557 de “O Livro dos Espíritos” e do comentário do Espírito Miramez

O Espiritismo, como filosofia espiritualista racional, nos convida constantemente à reflexão profunda sobre os mecanismos invisíveis que regem nossas experiências, vínculos e destinos. Entre os muitos temas que suscitam dúvidas e mal-entendidos tanto entre os estudiosos quanto entre os simpatizantes da Doutrina, está a questão das bênçãos e das maldições.
Seriam reais seus efeitos? Uma maldição lançada pode realmente causar danos? Uma bênção pode alterar os desígnios de uma vida? Qual o peso das palavras e das intenções nas nossas relações espirituais?
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma resposta direta e esclarecedora a esse tema na pergunta 557 de “O Livro dos Espíritos”, complementada com rara sensibilidade e profundidade pelo Espírito Miramez, na obra Filosofia Espírita, através da psicografia de João Nunes Maia. Este artigo se propõe a estudar minuciosamente essa questão à luz desses dois pilares, oferecendo ao leitor um mergulho doutrinário e reflexivo sobre o verdadeiro alcance espiritual das intenções humanas — sejam elas de bem ou de mal.
O Enunciado da Questão 557
A pergunta feita por Kardec aos Espíritos Superiores foi a seguinte:
“Podem a bênção e a maldição atrair o bem e o mal para aquele sobre quem são lançados?”
A resposta recebida dos Espíritos é clara e direta:
“Deus não escuta a maldição injusta e culpado perante Ele se torna o que a profere. Como temos os dois gênios opostos, o bem e o mal, pode a maldição exercer momentaneamente influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência, porém, só se verifica por vontade de Deus como aumento de prova para aquele que é dela objeto. Demais, o que é comum é serem amaldiçoados os maus e abençoados os bons. Jamais a bênção e a maldição podem desviar da senda da justiça a Providência, que nunca fere o maldito, senão quando mau, e cuja proteção não acoberta senão aquele que a merece.”
Essa resposta oferece vários elementos que precisam ser cuidadosamente analisados, pois lançam luz sobre os mecanismos espirituais do mérito, da sintonia vibratória e da ação da Providência Divina em nossas vidas.
O Pensamento como Força Criadora
O Espírito Miramez, por sua vez, começa seu comentário abordando um aspecto essencial: o papel do pensamento como força criadora. Ele afirma:
“O responsável por tudo e por todos os acontecimentos são os pensamentos. Tanto as bênçãos como as maldições são forças mentais que se concentram na mente pelas forças dos sentimentos e são emitidos em direção àqueles que propomos ser o alvo das nossas intenções.”
Com essa afirmação, Miramez nos remete ao princípio da cocriação espiritual. Nossos pensamentos não são apenas fenômenos subjetivos, mas energias dinâmicas que se irradiam no plano espiritual. As palavras que proferimos, especialmente quando impregnadas de sentimentos intensos, carregam cargas magnéticas e psíquicas que podem agir sobre o meio e sobre os outros — se houver sintonia.
Tanto a bênção quanto a maldição são, portanto, formas de emissão mental, sustentadas por intenções e emoções. Mas como essas emanações interagem com o mundo e com os indivíduos? Isso nos leva ao ponto seguinte: a lei da sintonia e do merecimento.
Sintonia Vibratória: O Princípio que Regula os Efeitos
Miramez esclarece:
“Tanto uma quanto a outra somente se acoplam na criatura visada se Deus o permitir. Se desejamos o bem a certa criatura e ela não merece esse bem, as forças por nós endereçadas se desviam do seu caminho e serão direcionadas para onde encontrem sintonia. Assim, igualmente sucede com o mal (…).”
Essa afirmação é fundamental para entendermos a profundidade da justiça divina. O universo, criado e regido por Deus, não é movido ao acaso nem é influenciado por favoritismos. Tudo funciona segundo leis sábias e justas, entre as quais a do merecimento e da afinidade vibratória.
É essa lei que explica por que uma maldição lançada por alguém não atinge necessariamente o alvo pretendido. Se a vítima está vibrando em faixas superiores, imune àquela emissão inferior, a maldição retorna ao emissor ou se desvia para onde possa ser acolhida por espíritos em sintonia.
O mesmo ocorre com a bênção: se o destinatário não está espiritualmente em condições de acolhê-la, ela também retorna ou segue em busca de quem possa recebê-la.
Justiça Divina e a Prova Permitida
Voltando à resposta dos Espíritos a Kardec, encontramos um ponto que merece destaque:
“[…] pode a maldição exercer momentaneamente influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência, porém, só se verifica por vontade de Deus como aumento de prova para aquele que é dela objeto.”
Essa observação mostra que nada nos acontece sem a permissão divina, mesmo quando há temporariamente um mal aparente. As adversidades decorrentes de más intenções alheias só nos atingem se estiverem inseridas no conjunto de provas necessárias ao nosso progresso.
Assim, uma maldição só pode influenciar a matéria ou o corpo físico (como enfermidades, acidentes ou infortúnios), se ela se ajustar às provas ou expiações previstas na encarnação daquele que a sofre.
Essa perspectiva nos ensina a não temer os ataques espirituais injustos, desde que estejamos com a consciência tranquila e firmados no bem. Nenhuma força mental inferior pode romper os escudos da proteção divina e da retidão espiritual.
A Importância do Autoconhecimento e da Prevenção
Embora o mal só nos alcance se estivermos em sintonia ou se for parte de nossa programação reencarnatória, isso não significa que devamos ser negligentes com a nossa saúde espiritual. A Doutrina Espírita nos ensina a cultivar:
- Vigilância moral
- Oração constante
- Pensamentos elevados
- Evangelho no Lar
- Práticas de caridade
Essas são as verdadeiras defesas contra qualquer intento maléfico.
Miramez nos adverte sobre isso quando afirma:
“O homem deve esquecer as maldições, atos nascidos em mentes enfermiças, que causam mais perturbações em quem as deseja.”
Ou seja, quem se prende ao desejo de prejudicar outrem adoece primeiro em si mesmo. A maldição é um veneno que envenena primeiro o coração de quem a destila. Essa é uma das maiores leis espirituais: a energia que emitimos será, mais cedo ou mais tarde, devolvida a nós mesmos.
As Bênçãos e o Exemplo de Jesus
Miramez também nos convida a observar o exemplo do Cristo, que jamais se ocupou em lançar qualquer tipo de maldição, mesmo sendo alvo das maiores injustiças. Ele nos lembra da fala de Jesus à mulher samaritana:
“Aquele, porém, que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede…” (João, 4:14)
Jesus abençoava continuamente com a sua presença, com o seu olhar, com o seu toque e, sobretudo, com a sua palavra. Nunca se permitiu responder ao mal com o mal. Seu verbo era veículo constante de amor, cura e reconciliação.
O espírita verdadeiro, como trabalhador da vinha do Senhor, deve seguir esse modelo, conforme recomenda Miramez:
“Quem conhece Jesus, desconhece a desarmonia, trabalha sempre gerando bênçãos, com os pensamentos, palavras e obras, integrando-se cada vez mais na fraternidade coletiva, onde respira a paz para o seu próprio coração.”
As Maldições como Atos de Injustiça
Ainda que nos dias atuais o vocábulo “maldição” soe arcaico, a sua essência permanece em atitudes que desejam o mal ao próximo, como:
- Calúnias
- Rancores
- Maldizer
- Magia negativa
- Vinganças ocultas
Tudo isso compõe o que o Espírito chama de “atos injustos”, ou seja, violências mentais ou espirituais contra o próximo. São essas as verdadeiras maldições modernas, que partem de almas que, por ignorância ou revolta, se desconectam do amor e mergulham no desequilíbrio.
Mas o Espiritismo é claro: responderemos por cada pensamento, sentimento e ato. Essa é a lei da responsabilidade espiritual, e Miramez a sintetiza com clareza:
“Onde quer que estejamos, responderemos pelos nossos feitos. Esta é a lei de justiça que se irradia em todo o universo.”
A Bênção como Atitude de Vida
A bênção não se limita a uma fórmula religiosa, mas representa uma atitude existencial. Bênção é:
- Um olhar de compaixão
- Uma palavra de encorajamento
- Um gesto de solidariedade
- Uma prece silenciosa por alguém
- Uma ação que transforma a dor alheia em alívio
Miramez reforça:
“O bem que praticamos, será o nosso escudo em todas as nossas lutas. Levanta-te do teu leito abençoando a vida pela oração, que essa bênção confortar-te-á os caminhos.”
Ao abençoar constantemente a vida e as criaturas, o espírita constrói ao redor de si um campo vibratório de luz, que o protege contra os ataques da ignorância, da maldade e da intolerância.
Conclusão
O estudo da pergunta 557 de O Livro dos Espíritos e o comentário do Espírito Miramez nos revelam, com clareza e profundidade, que nenhuma bênção ou maldição tem poder absoluto sobre nós. Seu efeito depende da vontade divina, da justiça espiritual e da sintonia íntima do espírito visado.
A maldição injusta não é ouvida por Deus, e o seu peso recai, sobretudo, sobre quem a profere. A bênção, por sua vez, quando sincera, nunca se perde — mesmo que não atinja o alvo visado, encontrará algum coração necessitado.
O Espiritismo nos convida à maturidade espiritual, ao cultivo constante do bem, da oração, da vigilância moral. Não há espaço, na alma espírita, para o desejo de vingança, para a maledicência ou para a maldição.
Que possamos, como ensinou Jesus, “orar pelos que nos perseguem e caluniam”, e abençoar sempre, em todas as direções.
“O espírita deve cada vez mais confiar em Deus e na Sua justiça, entregando-se ao serviço da caridade, que salva a todos os seus praticantes, quando o amor serve de veículo para a sua ação benfeitora.” — Miramez