Caridade para com os Criminosos
Caridade para com os Criminosos: Ensinamentos do Evangelho

No capítulo XI de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec reuniu instruções dos Espíritos que se tornaram verdadeiros pilares para a compreensão da lei de amor e de caridade ensinada por Jesus. Entre essas instruções, destaca-se o item 14, intitulado “Caridade para com os criminosos”, ditado pelo Espírito Isabel de França em 1862. Trata-se de um texto profundamente tocante e desafiador, pois nos convida a refletir sobre nossa postura diante daqueles que a sociedade costuma rejeitar, os criminosos, os que transgredem as leis humanas e divinas. O ensinamento nos obriga a ultrapassar a superficialidade do julgamento e alcançar o cerne da doutrina cristã: a fraternidade universal.
Este artigo tem por objetivo analisar minuciosamente esse trecho do Evangelho, desenvolvendo suas implicações morais, espirituais e práticas. Buscaremos compreender o que significa, para o espírita, exercer caridade com aqueles que caíram em graves delitos. Veremos como a doutrina espírita não incentiva a conivência com o crime, mas, sim, propõe uma visão elevada, de compaixão e oração, em harmonia com os princípios da lei de causa e efeito, da reencarnação e da justiça divina.
A caridade como fundamento do Evangelho
A instrução de Isabel de França começa com uma afirmação categórica: “A verdadeira caridade constitui um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo.” Aqui somos convidados a perceber que a caridade é a essência da mensagem evangélica. Não se trata apenas de auxiliar materialmente, mas de uma atitude de amor constante, de benevolência ativa, que alcança inclusive aqueles que mais nos desafiam.
Ao longo do Evangelho, Kardec deixa claro que sem caridade não há verdadeira prática espírita. A máxima “Fora da caridade não há salvação” não exclui ninguém: abrange amigos, inimigos, e até aqueles que a sociedade rejeita. Assim, falar em caridade para com os criminosos é levar esse princípio ao seu limite mais exigente, demonstrando que não podemos impor condições ao amor que se espera de nós.
O convite à fraternidade universal
O Espírito destaca que deve existir “completa fraternidade entre os verdadeiros seguidores da doutrina”. Isso significa que o espírita, como cristão redivivo, é chamado a enxergar todos os seres humanos como irmãos, filhos do mesmo Pai. Ao incluirmos os criminosos nesse horizonte de fraternidade, somos lembrados de que, apesar de suas quedas, eles continuam sendo criaturas de Deus.
Aqui está um ponto fundamental: a fraternidade não se limita aos que nos são simpáticos ou aos que agem de acordo com nossos valores. Ela se estende também aos que erram gravemente, pois, como o Espírito ressalta, a eles também será concedido perdão e misericórdia, caso se arrependam. E, de forma ainda mais desafiadora, somos advertidos de que, muitas vezes, nós somos mais culpados do que aqueles que julgamos, porque conhecemos mais da lei divina e, por isso, somos mais responsáveis.
A advertência contra o julgamento
Uma das partes mais fortes do texto é o alerta: “Não julgueis, oh! não julgueis absolutamente.” Essa frase ecoa as palavras de Jesus no Sermão da Montanha: “Não julgueis, para não serdes julgados” (Mateus 7:1). O ensinamento é claro: o julgamento precipitado e condenatório revela ignorância e arrogância espiritual.
No entanto, a advertência vai além. Isabel de França nos lembra que muitas ações que o mundo sequer considera faltas leves são, aos olhos de Deus, verdadeiros crimes. Isso significa que nosso critério de avaliação humana é falho, superficial e limitado. Ao condenarmos um criminoso de forma implacável, esquecemos que, diante de Deus, carregamos nossas próprias imperfeições e pecados ocultos.
Essa perspectiva nos convida à humildade e à indulgência. Antes de condenar o outro, é preciso reconhecer nossas próprias fragilidades. O criminoso, na maioria das vezes, erra por ignorância da lei divina; já nós, que conhecemos esses princípios, incorremos em culpas ainda maiores quando falhamos.
O verdadeiro sentido da caridade
Outro ponto central da instrução é a definição ampliada da caridade. Muitas pessoas limitam a prática caritativa à esmola ou à ajuda material. O Espírito, porém, ensina que a caridade sublime consiste na benevolência constante, na bondade aplicada em todas as circunstâncias. Isso inclui a compaixão e o respeito até mesmo para com aqueles que não podem se beneficiar de nossas esmolas.
Em relação aos criminosos, a caridade se manifesta principalmente de duas formas:
- Na oração sincera, capaz de auxiliar o espírito caído, encarnado ou desencarnado, a despertar para o arrependimento.
- Na palavra de consolo e encorajamento, que pode fortalecer a esperança do arrependido em reerguer-se.
Essa visão amplia imensamente nosso conceito de caridade. Ela transcende a ajuda material e se torna um exercício de espiritualidade elevada, capaz de transformar tanto quem ajuda quanto quem é ajudado.
O exemplo de Jesus
Para orientar nossa postura, Isabel de França nos convida a observar o modelo supremo: Jesus. E nos questiona: “Que diria ele, se visse junto de si um desses desgraçados?” A resposta é clara: Jesus lamentaria sua condição, o veria como um doente espiritual digno de piedade e lhe estenderia a mão.
Esse ponto é crucial. O Mestre nunca fez distinção entre pecadores e justos. Ele acolheu publicanos, prostitutas e ladrões com a mesma compaixão com que acolhia os piedosos. Seu olhar ia além da aparência exterior; ele enxergava a alma em sofrimento, necessitada de cura. O cristão verdadeiro deve, portanto, seguir esse exemplo.
O papel da oração pelos criminosos
O Espírito enfatiza que o maior auxílio que podemos oferecer aos criminosos é a prece. Essa é a verdadeira caridade que lhes devemos. Oração sincera, desinteressada, com fé e amor, pode tocar os corações mais endurecidos e abrir caminhos para o arrependimento.
Aqui encontramos uma chave preciosa: não somos chamados a conivência com o crime, nem a abolir as consequências legais que cada ato gera. A justiça humana deve cumprir seu papel. Porém, como cristãos e espíritas, cabe-nos não alimentar ódio, vingança ou desprezo, mas sim orar pelos que erraram, assistindo seus espíritos na luta íntima de renovação.
A oração é o recurso invisível que alcança onde nossas mãos não podem chegar. Muitas vezes, um criminoso não terá acesso às nossas palavras ou às nossas ações diretas, mas poderá ser sensibilizado pela corrente de pensamentos elevados que se dirige a ele.
A visão espírita do criminoso
O Espiritismo nos ajuda a compreender o criminoso sob uma perspectiva ampliada. Cada ser humano é um espírito imortal, em processo de evolução. As quedas, os desvios e os crimes fazem parte da caminhada de aprendizado. Embora graves, essas faltas não definem a essência da criatura, mas apenas revelam seu estado atual de atraso moral.
Pela lei de reencarnação, compreendemos que muitos criminosos de hoje foram vítimas de ontem, e vice-versa. Nossas posições sociais, nossos erros e virtudes se alternam nas várias existências, permitindo que desenvolvamos a compreensão e a empatia. Assim, o criminoso de agora pode ter sido nosso benfeitor em outra vida, e poderá ser nosso irmão de caminhada em provas futuras.
Essa visão nos afasta do julgamento apressado e nos aproxima da verdadeira fraternidade.
A função educativa das provas coletivas
Isabel de França esclarece que Deus permite a presença de grandes criminosos entre nós para que sirvam de ensinamento. Isso significa que os exemplos de queda moral não estão na Terra por acaso: eles são convites à reflexão e à educação da humanidade.
Ao observarmos as consequências do crime, somos chamados a refletir sobre a importância da virtude. Ao testemunharmos o sofrimento dos que caem, aprendemos, por contraste, o valor da retidão. Assim, até mesmo os erros graves cumprem uma função pedagógica no progresso coletivo.
Eis por que não devemos apenas condenar ou rejeitar, mas sim aprender e auxiliar. O criminoso é, em última análise, um instrumento de aprendizado para todos.
O futuro da humanidade e a lei do progresso
A mensagem também anuncia que “estão próximos os tempos em que nesse planeta reinará a grande fraternidade.” Trata-se de uma referência à transição planetária, ao futuro em que a Terra deixará de ser mundo de provas e expiações para tornar-se um mundo de regeneração. Nesse contexto, os espíritos endurecidos e revoltados, incapazes de acompanhar o progresso moral, serão encaminhados a mundos inferiores, onde encontrarão as condições compatíveis com seu estado.
Isso nos revela que a presença dos criminosos na Terra é temporária e pedagógica. O futuro da humanidade será de fraternidade e harmonia, e cada espírito, segundo seu livre-arbítrio, decidirá se deseja acompanhar esse avanço ou permanecer nos caminhos da revolta.
A responsabilidade do espírita
Diante desse quadro, qual deve ser a postura do espírita? Primeiramente, abandonar qualquer sentimento de ódio ou vingança. O crime precisa ser combatido, mas o criminoso deve ser compreendido e auxiliado. O espírita é chamado a exercer a caridade em sua expressão mais difícil, que é orar pelos que nos agridem e desejar o bem daqueles que erram.
Além disso, o espírita deve ser exemplo de indulgência e de fraternidade. Ao reconhecer que todos somos imperfeitos, compreende que também necessita de perdão e, portanto, deve perdoar. A indulgência não significa conivência, mas sim compreensão da fragilidade alheia.
Conclusão
O item 14 do capítulo XI de O Evangelho Segundo o Espiritismo é um dos mais belos convites à prática da caridade integral. Ele nos desafia a enxergar o criminoso não como um inimigo da sociedade a ser extirpado, mas como um espírito enfermo, digno de piedade e oração. Ao seguirmos esse ensinamento, aproximamo-nos verdadeiramente do exemplo de Jesus, que nunca excluiu ninguém do círculo do seu amor.
Exercitar a caridade para com os criminosos é um dos mais altos testemunhos de fé. É fácil amar os bons, mas o verdadeiro mérito está em estender a mão espiritual aos que caíram. Sejamos, portanto, instrumentos da misericórdia divina, lembrando sempre que o perdão e a prece podem iluminar até os mais sombrios caminhos da alma.
Assim, viveremos de acordo com a lei suprema do Cristo: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.” E, um dia, alcançaremos a sociedade renovada, em que reinará a grande fraternidade anunciada pelos Espíritos.