4 de junho de 2025

Espíritos Diferentes?

Por O Redator Espírita
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Espíritos Diferentes? Seres à Parte?

No vasto campo da Doutrina Espírita, muitas são as questões que desafiam nossa compreensão a respeito da estrutura espiritual do universo. Uma dessas questões, de profunda implicação filosófica e teológica, está registrada na pergunta 538 de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec: “Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza? Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós?”

Essa pergunta, aparentemente simples, traz em seu cerne um ponto nevrálgico de reflexão: existirão Espíritos criados com funções específicas e distintas, essencialmente diferentes de nós, seres humanos em processo evolutivo? Ou todos os Espíritos, independentemente de sua atuação atual no universo, possuem origem comum e um destino igualmente compartilhado, construído por méritos próprios ao longo das reencarnações?

Neste artigo, abordaremos essa questão de forma minuciosa, utilizando como base a resposta contida em O Livro dos Espíritos, a resposta adicional feita por Kardec aos Espíritos superiores, e, de maneira complementar e enriquecedora, o comentário do Espírito Miramez contido na obra Filosofia Espírita, através da psicografia de João Nunes Maia, que nos oferece profundos esclarecimentos acerca da unicidade e da igualdade essencial dos Espíritos.

A Pergunta 538: A Origem Comum dos Espíritos

Na pergunta 538 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec indaga aos Espíritos Superiores:

“Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza? Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós?”

A resposta objetiva e concisa dada pelos Espíritos é clara:

“Que foram ou que o serão.”

Ou seja, os Espíritos que hoje se encontram incumbidos de funções tão elevadas e específicas como a presidência dos fenômenos da natureza — como tempestades, ventos, movimentos sísmicos, equilíbrio dos ecossistemas e forças físicas e químicas do universo — são os mesmos que, um dia, já estiveram encarnados na Terra ou em mundos semelhantes, enfrentando as lutas e experiências da evolução moral e intelectual.

Eles não são seres à parte, distintos em sua essência ou privilegiados por uma criação especial. Ao contrário, são irmãos que trilharam o mesmo caminho evolutivo, e que, por seus esforços, escolhas e méritos, galgaram posições que lhes conferem hoje atribuições elevadas.

A Resposta Adicional: Hierarquia e Função

Kardec, sempre perspicaz em seu trabalho investigativo, aprofunda o questionamento e indaga:

“Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou às inferiores da hierarquia espírita?”

A resposta obtida é novamente esclarecedora:

“Isso é conforme seja mais ou menos material, mais ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam, outros executam. Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como entre os homens.”

Aqui, somos convidados a compreender a complexidade da administração divina por meio dos seus agentes espirituais. Há uma hierarquia de funções no plano espiritual, mas essa hierarquia não representa uma desigualdade essencial, e sim a diversidade de tarefas de acordo com a evolução individual de cada Espírito.

Os Espíritos mais elevados, dotados de maior inteligência e pureza moral, supervisionam os fenômenos e coordenam os processos da natureza com sabedoria e amor. Já os de ordem inferior, ainda apegados à materialidade e em estágios iniciais de progresso, são encarregados da execução mecânica ou semi-instintiva desses mesmos fenômenos, aprendendo e evoluindo no processo.

Esse modelo nos remete à organização do trabalho humano, onde os mais experientes supervisionam e os iniciantes executam, não por desigualdade de valor, mas por diferenciação de desenvolvimento e responsabilidade.

A Reflexão de Miramez: A Justiça de Deus e a Igualdade dos Espíritos

A essas respostas fundamentais, soma-se o comentário profundamente filosófico e inspirador do Espírito Miramez, constante na obra Filosofia Espírita. Seu texto intitulado “Espíritos Diferentes?” é uma verdadeira exegese espiritual sobre a justiça divina, a unidade da criação e o papel dos Espíritos na condução dos fenômenos da natureza.

Miramez começa por afirmar com clareza:

“Deus é justiça e amor. Sendo assim, o que todos já reconhecem, Ele não poderia criar Espíritos à parte, diferentes; eles são todos iguais, para manifestar a glória do Criador.”

Aqui, somos remetidos à base do pensamento cristão e espírita: a justiça divina é perfeita e Deus não faz acepção de pessoas, como ensinou Jesus. Se houvesse Espíritos criados para serem superiores, separados da grande massa evolutiva, isso comprometeria a equidade divina, o mérito individual e a universalidade do progresso.

Miramez reforça esse ponto ao lembrar a frase evangélica:

“Assim, pois, pelos seus frutos os reconhecereis.” (Mateus 7:20)

A grandeza do Espírito não está em sua origem, mas nos frutos que produz: no amor que pratica, no bem que realiza, na luz que irradia. O Espírito elevado, hoje presidindo os fenômenos da natureza, já foi criança espiritual, tropeçando e aprendendo nos mundos inferiores. Ele é grande porque cresceu, e não porque foi criado grande.

Unidade na Criação: Todos os Espíritos São Iguais na Essência

Miramez continua sua reflexão dizendo:

“Do modo que Deus criou o primeiro Espírito, continua a criar, sem mudanças.”

Essa afirmação revela que a origem dos Espíritos é una. Deus não cria Espíritos prontos ou diferentes entre si, mas todos com potencial idêntico, sendo as diferenças observadas frutos da trajetória evolutiva individual.

Portanto, os Espíritos que governam os ventos, as marés, os vulcões, as estações e as migrações das aves não são “seres da natureza” num sentido mitológico ou místico. São irmãos nossos, Espíritos que passaram por reencarnações, provações e experiências. Em suas fileiras, estão aqueles que “foram ou que o serão” — como diz a resposta dos Espíritos superiores — e, por isso, não são diferentes, mas apenas mais adiantados.

A Intercambialidade das Funções Espirituais

Outro ponto valioso destacado por Miramez é que esses Espíritos operam mudanças de funções:

“Por vezes, eles operam mudanças de posições, quais os homens na Terra, para armazenar experiências, mas no fundo são os mesmos Espíritos que levaram o toque do Criador.”

Assim como nós trocamos de empregos, funções ou tarefas na sociedade, os Espíritos também vivenciam diferentes papéis no serviço divino. Ora podem estar ligados às forças da natureza, ora podem ser mentores de grupos familiares, trabalhadores em hospitais espirituais ou ainda reencarnados na matéria.

Não há cristalização de função, pois o universo é uma escola dinâmica. A cada etapa, uma nova lição. A cada lição, uma nova conquista. E a cada conquista, um novo degrau na grande escada da evolução.

As Falácias Sobre os Espíritos Elementais

Miramez critica abertamente doutrinas que afirmam que os Espíritos da natureza não reencarnam:

“Há filosofias pregando que na população dos Espíritos da natureza muitos não se encarnam, nem reencarnam. Como se enganam!”

Ele desmistifica essas ideias que resvalam para o misticismo pagão ou esotérico, explicando que todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, e que a reencarnação é o meio universal e necessário de progresso. Não existem castas espirituais. Não existem “espíritos especiais” isentos da lei do renascimento e do aprendizado.

Mesmo os chamados “espíritos elementais” — nome dado por algumas correntes espiritualistas a entidades ligadas aos elementos naturais — são, segundo a Doutrina Espírita, Espíritos como nós, apenas em outras etapas de aprendizado e com outras funções temporárias.

A Humildade da Verdade

Um aspecto pedagógico e profundamente ético do texto de Miramez é sua advertência quanto ao desejo de saber além do necessário:

“Queres saber mais do que já sabes e fazer confusão em tua cabeça? O que precisas saber, Deus dá a ordem para que possa ser dito com suavidade…”

Esse trecho nos lembra que a verdade é progressiva, e que a revelação espiritual respeita o grau de maturidade do ser. Não se trata de ocultação, mas de cuidado. A sabedoria divina nos oferta o conhecimento no momento certo, e sempre revestido de humildade, para que possa ser assimilado sem vaidade ou desespero.

O Diabo Também É Nosso Irmão

Miramez adentra ainda mais fundo ao abordar um tema muitas vezes evitado: a figura do “diabo”. Ele declara:

“Deus criou tudo, até o ‘diabo’, como é chamado. […] O diabo é nosso irmão, que com o tempo se voltará para o Bem e passará a ser anjo…”

Essa declaração corajosa e profundamente cristã reafirma o que o Espiritismo ensina com clareza: não há criação maligna de origem, nem Espíritos eternamente condenados. O mal é temporário. O erro é transitório. A sombra é ausência de luz — e todo Espírito, por mais atrasado que esteja, tem dentro de si a centelha divina, que um dia brilhará em plenitude.

A Natureza e o Homem: Reflexos do Mesmo Criador

O texto de Miramez se encerra com belas analogias da natureza, especialmente sobre o comportamento das abelhas, para mostrar que a sabedoria da criação está em todos os cantos, desde o zumbido de um zangão até o batimento cardíaco humano. Ele afirma:

“Pensa nisto, que verás o Senhor dentro e fora de ti, operando maravilhas em sustento da vida.”

É o convite à contemplação espiritual da existência. Observar a natureza é perceber Deus em ação, por meio de seus agentes — que são, no fim das contas, Espíritos como nós.

Conclusão: Não Há Espíritos Diferentes, Há Espíritos em Diferentes Estágios

À luz da Doutrina Espírita, da resposta dos Espíritos Superiores a Kardec e da reflexão luminosa de Miramez, afirmamos com convicção: não existem Espíritos essencialmente diferentes uns dos outros. Todos somos criados simples e ignorantes. Todos temos um destino de luz e amor. Todos somos filhos do mesmo Pai e caminhamos pelas mesmas leis divinas.

A diferença está apenas no grau de adiantamento que cada um já conquistou. Os Espíritos que hoje comandam os fenômenos da natureza são nossos irmãos mais velhos, servidores da Criação, e exemplos vivos de que o progresso é possível, e que todos, sem exceção, alcançaremos as mesmas alturas, pela escada da reencarnação, do trabalho, da humildade e do amor.

Não há Espíritos diferentes. Há apenas o Amor de Deus operando em infinitas formas.