Mundos Inferiores e Mundos Superiores
Mundos Inferiores e Mundos Superiores: Uma Reflexão Profunda à Luz do Evangelho Segundo o Espiritismo
A Doutrina Espírita, ao descortinar os horizontes da vida espiritual, apresenta-nos uma concepção grandiosa e consoladora do universo e das leis que regem a Criação. Dentre os ensinamentos que Allan Kardec reuniu sob a inspiração dos Espíritos Superiores, poucos são tão reveladores quanto os que tratam da pluralidade dos mundos habitados, especialmente no Capítulo III de O Evangelho Segundo o Espiritismo, sob o título “Há muitas moradas na casa de meu Pai”.
A Relatividade dos Mundos: A Escala da Criação
O item 8 inaugura a instrução dos Espíritos com uma afirmação que nos convida à humildade diante do saber: “A qualificação de mundos inferiores e mundos superiores nada tem de absoluta; é, antes, muito relativa.” Essa relatividade indica que a Criação divina é vasta e escalonada, oferecendo a cada criatura morada apropriada ao seu grau de adiantamento espiritual.
Não existe, portanto, um mundo absolutamente inferior ou absolutamente superior — todos se posicionam em uma escala comparativa que considera a moralidade e a intelectualidade dos seres que os habitam. Assim como na Terra encontramos desde sociedades altamente desenvolvidas até agrupamentos que ainda vivem em padrões rudimentares de existência, também entre os mundos há essa gradação.
Tomando a Terra como parâmetro, os Espíritos nos convidam a imaginar os mundos inferiores como equivalentes às civilizações bárbaras e selvagens ainda presentes em nosso orbe. Neles, predominam a brutalidade, a ignorância, a ausência de sentimentos elevados, a dominação pela força bruta e a vida reduzida à luta pela sobrevivência. Os habitantes desses mundos não são seres decaídos, mas Espíritos que ainda estão nos primeiros estágios de desenvolvimento, “crianças que estão a crescer”, como poeticamente afirmam os Espíritos.
Essa visão é profundamente consoladora e educativa. Ela nos mostra que Deus não abandona nenhuma de Suas criaturas, mesmo aquelas que vivem nas trevas da ignorância. Em todas brilha, ainda que de forma latente, a centelha divina, o instinto do sagrado, a intuição de um Criador. Essa fagulha é o ponto de partida para o progresso espiritual.
A Ascensão dos Mundos: Do Rudimentar ao Sublime
O contraste entre os mundos inferiores e os superiores é magistralmente descrito no item 9. Aí somos apresentados aos mundos adiantados, onde a matéria já não é mais um empecilho à alma, mas apenas um invólucro sutil, obediente à vontade do Espírito. A forma corpórea continua sendo humana, mas em sua mais elevada expressão de beleza e harmonia.
Nestes orbes sublimes, os corpos não padecem das doenças e das deteriorações típicas da materialidade grosseira. São corpos leves, purificados, que permitem percepções espirituais aguçadas e uma existência mais fluida e elevada. O simples deslocar-se não requer esforço físico, mas apenas a vontade, e os habitantes desses mundos parecem deslizar pela superfície ou flutuar no ar, como os anjos representados nas tradições religiosas.
Outro ponto notável é a curta duração da infância, pois o Espírito, tendo pouco a ser condicionado pela matéria, desenvolve-se com rapidez. A vida, por conseguinte, é mais longa e mais rica, vivida sem os pesares das expiações, pois nestes mundos já não se vive para reparar faltas, mas para continuar crescendo em luz.
A morte, que na Terra é vista com temor e angústia, é nesses mundos uma simples transição, um retorno natural ao plano espiritual, sem traumas ou decomposições. Como não há dúvida quanto ao porvir, a alma vive em constante estado de lucidez e emancipação, em plena comunhão com os demais Espíritos e com as Leis divinas.
Vida Moral Elevada e Justiça Verdadeira
O item 10 aprofunda essa descrição, revelando as características morais desses mundos venturosos. Neles, a convivência humana é marcada pela amizade sincera, pela fraternidade e pela ausência de conflitos. A guerra é desconhecida, pois não existe a ambição de dominação, tampouco há desigualdade imposta pelo nascimento.
A autoridade é conferida exclusivamente pelo mérito moral e intelectual, e é exercida com justiça. Não se busca ali a supremacia sobre os outros, mas a superação de si mesmo. O ideal de vida não é a posse, o prestígio ou o poder, mas a elevação espiritual — a conquista do estado de Espírito puro.
Todas as emoções humanas são ali engrandecidas e purificadas. O ódio, o ciúme, a inveja, o orgulho — essas paixões são desconhecidas. O laço que une os seres é o amor fraterno, que conduz os mais adiantados a auxiliarem os que ainda estão em evolução, como irmãos que se amam e se sustentam mutuamente.
Embora exista a posse de bens, ela decorre do mérito e da inteligência, e ninguém sofre por falta do necessário. Isso porque não há mais expiação. Não há sofrimento. O mal, como nos dizem os Espíritos, simplesmente não existe nesses mundos.
O Contraste com a Terra: Dor e Provação como Caminho
No item 11, os Espíritos fazem um contraste essencial para a compreensão da nossa realidade terrestre. Aqui, ainda precisamos experimentar o mal para reconhecer o bem; a noite, para valorizar a luz; a doença, para agradecer a saúde. A Terra ainda é um mundo de provas e expiações, onde a dor cumpre um papel pedagógico, servindo como alavanca para o progresso.
Nos mundos superiores, essa necessidade de contraste desaparece. A alegria é permanente porque a alma já se libertou das perturbações da matéria, das más companhias e das paixões degradantes. A paz é uma constante, pois o Espírito já conquistou a serenidade interior.
Contudo, como os Espíritos ressaltam, essa realidade ainda é difícil para nós, encarnados na Terra, compreendermos. Nossos sentidos, nossa memória espiritual obscurecida, nossa cultura impregnada de imagens do sofrimento, tudo isso limita nossa imaginação quanto às alegrias celestiais. Criamos com facilidade visões de infernos, mas temos dificuldade em conceber os céus.
Ainda assim, o progresso é inevitável. À medida que nos purificamos, que elevamos nossos pensamentos, sentimentos e ações, o horizonte espiritual se amplia, e passamos a compreender as belezas que nos aguardam, assim como compreendemos as dores que deixamos para trás.
A Justiça Divina e a Lei de Progresso
O último item (12) encerra com chave de ouro a instrução dos Espíritos, reforçando um princípio fundamental da Doutrina Espírita: a justiça absoluta e equitativa de Deus. Os mundos felizes não são privilégios destinados a alguns, mas conquistas acessíveis a todos.
Deus, como Pai justo e amoroso, oferece a todos os Seus filhos os mesmos direitos e os mesmos recursos para alcançar os patamares mais altos da criação. Não há favoritismo divino. Não há predestinação. Todos partem do mesmo ponto de ignorância e simplicidade, e todos podem, pelo esforço e pelo tempo, alcançar a perfeição.
A diferença está na vontade, na perseverança e na escolha entre caminhar mais rapidamente pelo bem ou estagnar no egoísmo e na ignorância. Cada um constrói seu destino, de forma individual e intransferível. Como diz o texto: “cumpre a eles conquistá-las pelo seu trabalho, alcançá-las mais depressa, ou permanecer inativos por séculos de séculos no lodaçal da humanidade.”
Essa afirmação é um convite direto à ação, ao esforço consciente e constante pela melhoria moral. É também uma advertência contra a acomodação, o conformismo espiritual e a negligência com as oportunidades de crescimento que a reencarnação nos oferece.
Um Chamado à Consciência Espírita
O estudo dos Mundos inferiores e mundos superiores, conforme apresentado por Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo, é mais do que uma curiosidade sobre os planos da criação divina. É um chamado profundo à nossa consciência, um apelo ao nosso senso de responsabilidade como Espíritos imortais em jornada de ascensão.
Essas descrições não visam entreter, mas transformar. Elas nos mostram onde estamos, de onde viemos e para onde podemos ir, se assim escolhermos. Convidam-nos a trocar a violência pela paz, o orgulho pela humildade, o egoísmo pela caridade, e a ignorância pela luz do conhecimento e do amor.
Vivemos na Terra, um mundo ainda marcado por provas e dores, mas dotado de beleza, oportunidade e, sobretudo, esperança. Sabendo que todos os mundos felizes são acessíveis a nós, conforme nossa evolução, que razão teríamos para não avançar?
Que possamos, inspirados por esses ensinamentos, fazer de cada dia um passo em direção à regeneração do planeta e de nós mesmos. Que nos esforcemos por purificar nossos sentimentos, elevar nossos pensamentos e multiplicar nossas ações no bem, para que, ao fim de nossa jornada terrestre, possamos merecer um mundo melhor, onde o mal não mais exista e o amor reine soberano.
E que, na certeza de que há muitas moradas na casa de nosso Pai, vivamos com fé, com coragem e com alegria, pois a perfeição, embora distante, é um destino seguro para todos os que amam, estudam e trabalham no bem.