23 de abril de 2025

O Mal e o Remédio

Por O Redator Espírita
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O Mal e o Remédio: Uma Reflexão Espírita sobre a Dor, a Prova e a Redenção

No cerne da Doutrina Espírita repousa a compreensão profunda e consoladora da dor e do sofrimento. Entre os muitos tesouros que O Evangelho Segundo o Espiritismo nos oferece, o capítulo V, intitulado Bem-aventurados os aflitos, traz em seu item 19, sob o título O mal e o remédio, uma das mais tocantes instruções dos Espíritos, assinada por Santo Agostinho. Este trecho não é apenas uma exortação à resignação; é um tratado sobre a coragem espiritual, a fé diante das adversidades e a verdadeira natureza das provações.

Este artigo se propõe a explorar, com profundidade e reverência, os significados contidos nesse texto sublime, elucidando, sob a luz do Espiritismo, os motivos pelos quais sofremos, qual a função do sofrimento em nossas vidas e qual é, de fato, o remédio indicado pelos Espíritos Superiores para enfrentarmos o mal que nos assola.

A Terra: Um vale de lágrimas ou um campo de regeneração?

O texto inicia com uma pergunta provocativa: “Será a Terra um lugar de gozo, um paraíso de delícias?” Essa indagação, à primeira vista, pode soar como retórica. Mas ela nos convida a refletir sobre nossas expectativas em relação à vida terrena. A resposta é clara: a Terra é um mundo de provas e expiações, um degrau na escala da evolução espiritual.

Essa compreensão nos liberta de idealizações. Não estamos aqui para o prazer pleno ou para viver em constante bem-estar material. Como nos ensina a Doutrina Espírita, a Terra é um planeta onde os Espíritos encarnam para aprender, reparar e evoluir. Os sofrimentos, portanto, fazem parte desse processo educativo e regenerador. A voz do profeta, a que se refere o Espírito comunicante, ecoa a realidade do planeta em que habitamos: um lugar onde se chora e onde os dentes rangem, não como punição divina, mas como reflexo das condições morais dos que aqui reencarnam.

A prova como instrumento de elevação

O Espírito prossegue: “Esperai, pois, todos vós que aí viveis, causticantes lágrimas e amargo sofrer…” O sofrimento, aqui, é apresentado como esperado, quase inevitável, mas não como castigo. Ao contrário, é um instrumento de elevação, uma oportunidade concedida por Deus.

Quando nos deparamos com as dores que nos parecem insuportáveis, temos a tendência de nos perguntar: “Por que comigo?” ou “O que fiz para merecer isso?” A instrução dos Espíritos inverte esse questionamento. Ao invés de nos vermos como vítimas, somos convidados a nos vermos como Espíritos que escolheram, antes de reencarnar, as provas que nos poderiam elevar. Essa escolha, claro, foi feita sob a inspiração dos bons Espíritos e com a supervisão da Lei Divina.

“Como desencarnados, quando pairáveis no espaço, escolhestes as vossas provas, julgando-vos bastante fortes para as suportar.” Esta frase encerra uma das maiores revelações do Espiritismo: a nossa responsabilidade espiritual. Somos autores de nosso destino. Se sofremos, é porque sabíamos da utilidade desse sofrimento. E mais: acreditávamos ser capazes de superá-lo.

O exemplo do justo na miséria

Um trecho marcante do texto traz a imagem de um homem, que, tendo conhecido as glórias e os deleites da riqueza, encontra-se deitado sobre uma estrumeira e agradece a Deus por isso: “Obrigado, meu Deus, por haverdes querido experimentar o vosso servo!”.

Essa cena evoca a figura de Jó, o justo do Antigo Testamento, mas pode representar qualquer um de nós. Esse exemplo nos ensina que a verdadeira grandeza espiritual não se revela na abundância, mas na aceitação consciente da escassez e da dor como etapas transitórias do Espírito em evolução. A nobreza do Espírito se faz visível na sua gratidão mesmo em meio à provação.

Aqueles que, em vez de blasfemar ou se revoltar, conseguem agradecer a Deus pela oportunidade de aprendizado contida no sofrimento, alcançam uma estatura moral admirável. Tornam-se faróis para os que ainda se debatem no escuro da desesperança.

A visão limitada da matéria e o convite à imortalidade

Santo Agostinho interpela o leitor: “Até quando os vossos olhares se deterão nos horizontes que a morte limita?” Essa pergunta é um chamado à visão espiritual da vida. A maioria das dores humanas nasce da limitação da nossa perspectiva. Vemos apenas os acontecimentos presentes, os fatos materiais, os resultados imediatos. Quando não vislumbramos além da existência atual, qualquer dor parece injusta, qualquer fracasso parece definitivo.

Porém, se nos recordamos de que somos Espíritos imortais, que esta existência é apenas uma das muitas que vivemos, e que a verdadeira pátria é o mundo espiritual, então nossas dores assumem um novo sentido. Elas deixam de ser fatalidades e passam a ser degraus.

O Espírito nos convida a “lançar a alma para além dos limites do túmulo”, ou seja, a viver com os olhos voltados para a eternidade, porque somente nessa visão ampliada conseguimos compreender e aceitar a dor como parte de um todo maior e harmonioso.

O sofrimento como expiação e depuração

No coração da mensagem, encontramos o princípio de que as provações da vida têm um duplo objetivo: expiar e depurar. Expiar é reparar. Depurar é purificar.

Quando sofremos, muitas vezes estamos quitando débitos do passado, resgatando erros cometidos em outras existências. Mas não apenas isso: ao enfrentarmos as dores com fé e resignação, nossa alma se fortalece, se ilumina, se emancipa dos laços grosseiros da matéria.

“Quanto mais forte fosse a prova, tanto mais gloriosa a vitória e que, se triunfásseis, embora devesse o vosso corpo parar numa estrumeira, dele, ao morrer, se desprenderia uma alma de rutilante alvura…”

Santo Agostinho.
Paris, 1863.

Essa imagem da alma que se eleva radiante após suportar as mais duras provações é uma das mais belas metáforas da regeneração espiritual. Mesmo que o corpo padeça na lama, a alma, ao se libertar, brilhará com o fulgor da conquista moral.

O único remédio infalível: a fé

Em um mundo onde buscamos remédios para todos os males físicos, o Espírito é categórico: “Que remédio, então, prescrever aos atacados de obsessões cruéis e de cruciantes males? Só um é infalível: a fé.”

A fé, no entendimento espírita, não é uma crença cega, mas uma confiança esclarecida na bondade de Deus, na justiça das Leis Divinas e na certeza da vida futura. É essa fé que sustenta os que sofrem, que consola os que choram, que fortalece os que desfalecem.

Com fé, o sofrimento não deixa de existir, mas deixa de ser um fardo insuportável. Ele se torna ponte, escola, ferramenta.

O Espírito afirma que “o anjo, à vossa cabeceira, com a mão vos apontará o sinal da salvação e o lugar que um dia ocupareis…” Essa imagem reafirma que ninguém sofre sozinho. Ao nosso lado, ainda que invisíveis, os benfeitores espirituais nos auxiliam, nos inspiram, nos socorrem, desde que nos abramos à fé.

O castigo da dúvida

Uma das passagens mais impactantes do texto é quando o Espírito adverte: “Aquele que duvida um instante da sua eficácia é imediatamente punido, porque logo sente as pungitivas angústias da aflição.”

Aqui não se trata de um castigo imposto externamente, mas de uma consequência natural da ausência de fé. A dúvida alimenta o medo. A descrença alimenta o desespero. Quando a fé vacila, os males se tornam maiores do que são, porque perdemos o eixo que nos dá força interior.

A fé é a âncora da alma no mar revolto das provações. Sem ela, nos afogamos no próprio sofrimento. Com ela, transformamos cada lágrima em semente de luz.

A bem-aventurança dos que sofrem

O texto encerra com uma afirmação paradoxal, mas profundamente consoladora: “Ditosos os que sofrem e choram! Alegres estejam suas almas, porque Deus as cumulará de bem-aventuranças.”

Essa ideia, que inicialmente pode parecer contraditória, ganha sentido à luz da Doutrina Espírita. A dor, quando aceita com resignação, é prenúncio da alegria futura. O pranto de hoje fertiliza os campos da felicidade de amanhã.

A alegria não está na dor em si, mas na sua superação, no aprendizado que ela proporciona, na vitória moral que ela representa.

Conclusão: A fé como chave para a cura da alma

A instrução do Espírito Santo Agostinho é, antes de tudo, um hino de esperança. Ela não minimiza o sofrimento, mas o ilumina com o foco da eternidade. Mostra-nos que a dor tem propósito, que a vida tem direção, que a fé tem poder curativo.

Vivemos tempos em que o sofrimento está presente em múltiplas formas: doenças, perdas, angústias emocionais, crises existenciais. Para muitos, essas dores parecem insuportáveis. Mas o Espiritismo vem dizer, com ternura e razão: há um remédio. Esse remédio é a fé viva, a confiança em Deus, a certeza da vida futura e a coragem para enfrentar as provas com amor e resignação.

Que cada lágrima que verte o aflito possa ser transformada em brilho na alma. Que cada coração em dor encontre na fé o alívio e a força. E que cada um de nós, à sua maneira, consiga olhar para o Céu, mesmo deitado sobre a estrumeira das provas, e dizer: “Obrigado, meu Deus, por haverdes querido experimentar o vosso servo.”