Perda de Pessoas Amadas. Mortes Prematuras
Perda de Pessoas Amadas. Mortes Prematuras
À luz do Espiritismo e da Justiça Divina
A dor provocada pela perda de entes queridos é uma das experiências mais dilacerantes a que a alma humana pode ser submetida. Entre todas as provas da vida, poucas nos tocam tão fundo quanto a separação pela morte, sobretudo quando ela arrebata criaturas ainda jovens, no florescer de suas potencialidades. Diante de tais acontecimentos, o coração, dominado pela saudade e pela incompreensão, por vezes se revolta, clamando contra o que considera uma injustiça divina.
Entretanto, a Doutrina Espírita, oferecendo-nos a chave para decifrar os mistérios da vida e da morte, convida-nos a lançar um olhar mais alto e mais abrangente sobre tais ocorrências. Em especial, o trecho do capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 21, em que o Espírito Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris, nos brinda com valiosas instruções, traz consolações profundas e esclarecimentos fundamentais para que compreendamos, com a luz da razão e da fé raciocinada, os desígnios superiores que regem a existência.
Com base exclusivamente nesse ensinamento, vamos percorrer as sendas do entendimento, buscando, palavra por palavra, extrair lições de esperança e sabedoria que nos auxiliem a transformar a dor da perda em experiência de amadurecimento espiritual.
A Visão Humana: Limitada e Materialista
O primeiro aspecto que o Espírito comunicante nos convida a considerar é a tendência humana a julgar os acontecimentos segundo critérios puramente materiais. Quando a morte ceifa os jovens, ou aqueles em quem depositávamos tantas esperanças terrenas, nossa visão míope e imediatista enxerga apenas o rompimento brutal dos planos traçados, a frustração das expectativas, o vazio deixado pela ausência física.
Dizemos, com frequência, que Deus foi injusto ao permitir que um ser tão promissor fosse arrebatado precocemente, enquanto tantos outros, cuja existência parece ter se tornado um fardo para si e para os demais, continuam a viver. Mas é exatamente nesse ponto que se revela nossa limitação: medimos o valor da vida pelos padrões do mundo material, esquecendo-nos de que a existência corpórea é apenas um capítulo da longa jornada do Espírito imortal.
A lição que nos é transmitida convida-nos, pois, a elevar nosso pensamento acima da terra, a abandonar o “terra-a-terra da vida”, como expressamente nos ensina Sanson, para contemplar a existência sob a ótica espiritual, que é a única capaz de abarcar o verdadeiro sentido dos acontecimentos.
A Providência Divina: Sabedoria e Amor
A morte, mesmo quando prematura aos nossos olhos, jamais é fruto do acaso ou da fatalidade cega. Nada, absolutamente nada, ocorre sem um objetivo inteligente e justo. A Providência Divina, sendo expressão perfeita da sabedoria e do amor infinitos, dirige todos os eventos para o bem maior de cada criatura.
Quando uma criança, um jovem ou um adulto em plena força da idade é chamado de volta ao mundo espiritual, isso se dá porque, em sua trajetória reencarnatória, aquela existência já cumpriu seu papel essencial. A duração da vida corpórea não é, em si mesma, o critério da sua utilidade ou do seu valor. Muitas vezes, um Espírito reencarna apenas para completar pequenas etapas de aprendizado, resgatar débitos específicos ou evitar quedas maiores que poderiam comprometer severamente sua evolução.
Assim, longe de ser uma punição ou uma injustiça, a morte prematura pode representar uma bênção da misericórdia divina. Deus, que vê o futuro e conhece as tendências do Espírito, pode, em sua infinita bondade, retirar um ser da Terra para poupá-lo das seduções que poderiam desviar-lhe o caminho ou das dores que o esmagariam moralmente.
A Missão dos Espíritos Jovens
Alguns Espíritos reencarnam com missões breves, mas profundamente significativas. Podem vir apenas para ensinar aos que ficam lições de amor, de renúncia, de fé ou de resignação. A convivência, por mais curta que seja, com esses seres muitas vezes transforma os que os rodeiam, deixando marcas profundas de transformação interior.
Quantas mães e pais não testemunham, em seus relatos de vida, que a presença fugaz de um filho lhes trouxe uma nova visão de si mesmos, despertando sentimentos de ternura, de paciência e de solidariedade que jamais haviam experimentado? Quantas famílias não se reúnem em torno da dor, reencontrando laços de amor que o cotidiano havia esmaecido?
O Espírito que parte cedo pode, pois, ter cumprido com grande êxito a missão que lhe foi confiada antes mesmo do nascimento. Seu retorno precoce ao plano espiritual não é um fracasso, mas a consumação de um projeto divinamente inspirado.
A Ilusão das Esperanças Terrenas
Quando lamentamos a morte dos jovens, costumamos falar das esperanças que nele depositávamos: esperanças de sucesso, de glória, de realização profissional, de estabilidade familiar. Essas esperanças, no entanto, são quase sempre limitadas ao âmbito da vida material.
O Espírito comunicante alerta para essa visão estreita e nos pergunta: “De que esperanças falais?” Em outras palavras: será que a vida na Terra, com suas conquistas efêmeras, é realmente a medida do sucesso de um Espírito? Será que brilhar no mundo, acumular riquezas, obter reconhecimento social são, de fato, realizações superiores?
À luz do Espiritismo, compreendemos que as verdadeiras esperanças são as da vida futura, aquelas que dizem respeito à evolução moral, à conquista da paz interior, à aquisição das virtudes eternas. Um Espírito que retorna cedo ao mundo espiritual, tendo evitado os perigos e as ilusões do mundo material, pode, assim, encontrar-se muito mais próximo da felicidade verdadeira do que muitos que permaneceram na Terra por longos anos.
A Dor dos que Ficam: Entendimento e Consolação
É natural que os que permanecem sintam a dor da ausência, o vazio que se instala nas relações cotidianas, a saudade pungente das palavras, dos gestos, dos sonhos compartilhados. A dor da separação é uma reação humana legítima e compreensível.
Entretanto, o Espiritismo nos ensina que essa dor não deve se transformar em revolta ou desespero. Mais do que isso: nossas lágrimas excessivas, nossa inconformação, nossa revolta silenciosa repercutem negativamente sobre os Espíritos que partiram. Quando alimentamos sofrimentos desarrazoados, estamos, sem o saber, agravando a saudade dos que amamos, retardando seu progresso e tornando mais penosa sua adaptação ao mundo espiritual.
Ao contrário, a fé raciocinada e a prece sincera criam pontes de luz entre os dois mundos, permitindo que nossos pensamentos alcancem os que amamos, fortalecendo-os e confortando-os. A lembrança serena, o amor confiante e a esperança luminosa são presentes que podemos oferecer aos nossos entes queridos, contribuindo para sua felicidade e para a nossa própria renovação espiritual.
O Valor da Fé Espírita
Sanson é muito claro ao afirmar que, para os que não possuem fé, a morte parece uma separação eterna. Para esses, a ausência é insuportável, porque acreditam ter perdido o ente amado para sempre. Já para os que compreendem a realidade espiritual, a separação é apenas temporária e aparente. O laço do amor verdadeiro não se desfaz com a morte: ele se fortalece.
A Doutrina Espírita, iluminando a realidade da imortalidade da alma e da comunicabilidade entre os Espíritos, consola, esclarece e fortalece. Ensina-nos que a vida corpórea é apenas um momento na eternidade do ser, e que nossos reencontros estão assegurados pelo amor e pela justiça divina.
A fé espírita, portanto, não nos impede de sentir saudade — seria desumano esperar isso —, mas nos ensina a transformar a saudade em prece, a dor em resignação, e a ausência em esperança de reencontro.
O Chamado à Confiança e à Elevação
Por fim, o Espírito nos convida a confiar plenamente nos desígnios de Deus. A vontade divina é soberana e, mesmo quando não a compreendemos de imediato, é sempre movida pelo mais puro amor. Somos chamados a renunciar ao egoísmo que, disfarçado de afeto, deseja reter o ser amado junto a nós, mesmo à custa de seu sofrimento.
Regozijemo-nos, pois, quando a Misericórdia Divina liberta um Espírito das provas terrenas, conduzindo-o a esferas de maior felicidade. Se, por vezes, nossos olhos se enevoam de lágrimas, que essas lágrimas sejam de gratidão e não de revolta; de amor sereno e não de desespero.
Se quisermos verdadeiramente homenagear a memória dos que partiram, cultivemos em nós as virtudes que eles esperam encontrar em nosso reencontro: a fé, a esperança, a caridade, a serenidade diante das provas.
Conclusão
A perda de pessoas amadas, especialmente quando ocorre de forma prematura, é uma das mais dolorosas experiências da existência terrena. Mas, à luz da Doutrina Espírita, compreendemos que a morte não é um castigo nem uma fatalidade, mas uma transição necessária no processo de evolução espiritual.
Compreender o sentido da morte prematura, como nos ensina o item 21 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, é um exercício de fé, de confiança e de amor. É um convite à elevação de nossos sentimentos, à renúncia ao egoísmo, e à aceitação lúcida dos desígnios de Deus.
Que possamos, assim, transformar nossa dor em esperança, nossa saudade em prece, e nossa perda aparente em reencontro espiritual. E que, fortalecidos pela fé e pelo conhecimento espírita, sigamos firmes na jornada, certos de que a vida verdadeira é a da alma, e que o amor jamais morre.