Possessão: É Possível?
Possessão: É Possível? O Que Nos Diz o Espiritismo?
A possessão espiritual é um tema que, ao longo da história, sempre foi cercado de mistérios, mal-entendidos e até mesmo de temor. Diversas tradições religiosas e espirituais ao redor do mundo relataram fenômenos de possessão, associando-os, muitas vezes, a intervenções demoníacas ou espíritos malignos.
No entanto, o Espiritismo, doutrina codificada por Allan Kardec no século XIX, oferece uma perspectiva clara e racional sobre esse assunto, desmistificando-o e explicando-o à luz das Leis Naturais e da vida espiritual.
Neste artigo, iremos nos concentrar na pergunta 473 de O Livro dos Espíritos, que aborda diretamente a possibilidade de um Espírito desencarnado tomar o corpo de um encarnado, e analisaremos o que a Doutrina Espírita tem a nos ensinar sobre esse fenômeno, com base também no comentário elucidativo do Espírito Miramez presente na obra Filosofia Espírita. Nosso objetivo é compreender a natureza da possessão, como ela ocorre e quais são suas implicações no desenvolvimento espiritual de ambos os envolvidos.
A Pergunta 473 de O Livro dos Espíritos
A pergunta feita por Allan Kardec no livro fundamental da Doutrina Espírita é muito clara:
473. Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado neste corpo?
Esta questão coloca em evidência a possibilidade de um desencarnado se apossar do corpo de um encarnado e agir em seu lugar, como se estivesse substituindo a alma que, originalmente, ocupa aquele corpo. Tal concepção poderia sugerir que o Espírito encarnado fosse “expulso” de seu corpo temporariamente, para que outro Espírito agisse por meio dele. Este conceito, porém, é prontamente esclarecido pela resposta dos Espíritos.
A Resposta dos Espíritos
A resposta a esta pergunta, como apresentada pelos Espíritos, é precisa e objetiva:
“O Espírito não entra em um corpo como entras numa casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.”
A resposta deixa claro que a noção de um Espírito desencarnado “tomar” o corpo de um encarnado, como alguém que se apossa de uma casa, não corresponde à realidade espiritual. O Espírito encarnado está ligado ao corpo físico por meio de laços energéticos profundos, que só se rompem definitivamente com a morte física, ou seja, no momento do desencarne. Portanto, um desencarnado não pode ocupar o corpo de outro, nem desalojar o Espírito que ali reside.
Contudo, a resposta também nos apresenta uma explicação importante sobre a influência que os Espíritos podem exercer sobre os encarnados. Um Espírito desencarnado pode se identificar com o encarnado, especialmente se houver afinidade entre os dois, o que inclui semelhanças em termos de moral, caráter, e inclinações. Dessa forma, o desencarnado pode exercer uma influência muito significativa sobre o encarnado, levando-o a agir de acordo com suas próprias intenções, mas sempre sem substituir completamente a vontade do encarnado.
Essa identificação entre o Espírito desencarnado e o encarnado é o ponto-chave para compreendermos como ocorre a possessão segundo a Doutrina Espírita. Embora não haja uma substituição direta, existe uma espécie de simbiose que pode ser tão intensa que dá a impressão de que o encarnado não tem controle sobre suas próprias ações.
O Comentário de Miramez sobre a Possessão
O Espírito Miramez, em sua obra Filosofia Espírita, aprofunda essa explicação, apresentando-nos uma visão detalhada sobre a possessão e suas causas. Ele utiliza o termo “possessão” para descrever a junção de almas, em que um desencarnado subjuga o encarnado por meio de uma conexão baseada em paixões inferiores, gerando um estado de quase inconsciência por parte do encarnado.
Miramez explica que essa junção ocorre principalmente em situações em que o encarnado mantém um estado vibratório compatível com o Espírito desencarnado. Ou seja, quando o encarnado alimenta pensamentos, sentimentos e comportamentos baseados em egoísmo, ódio, vingança e outras paixões destrutivas, ele se torna um alvo fácil para Espíritos que compartilham dessas mesmas inclinações.
A possessão, segundo Miramez, não ocorre da noite para o dia, mas é resultado de um processo longo de afinização entre o encarnado e o desencarnado, até que ambos estabeleçam uma troca magnética tão intensa que o desencarnado passa a influenciar diretamente as ações do encarnado.
A descrição de Miramez ressalta que o desencarnado não está, propriamente, “dentro” do corpo do encarnado, mas exerce uma influência tão grande que parece que este está sendo manipulado por forças externas. No entanto, o encarnado ainda retém seu livre-arbítrio, ainda que enfraquecido pela influência que sofre. Ele explica que essa situação ocorre, sobretudo, pela ignorância tanto do desencarnado quanto do encarnado em relação às leis espirituais que regem a vida.
A Influência Moral e a Lei de Atração
Um dos pontos mais importantes tanto na explicação dos Espíritos em O Livro dos Espíritos quanto no comentário de Miramez é a questão da afinidade moral e vibratória. Segundo o Espiritismo, vivemos em um universo regido pela Lei de Atração, onde semelhantes atraem semelhantes. Isso significa que Espíritos encarnados e desencarnados se atraem mutuamente com base em suas vibrações, ou seja, naquilo que pensam, sentem e fazem.
Se um encarnado mantém pensamentos elevados, buscando a prática da caridade, da humildade e do amor ao próximo, ele naturalmente atrairá para si Espíritos de mesma índole, que o ajudarão em seu progresso espiritual. Por outro lado, se ele alimenta sentimentos negativos como ódio, inveja e egoísmo, será alvo de Espíritos que compartilham dessas mesmas vibrações, criando um campo de atuação propício para influências espirituais indesejáveis, como a obsessão e, em casos mais graves, a possessão.
Miramez nos alerta que a possessão é, em última instância, um reflexo do estado moral do encarnado. Ele menciona que “os possessos são egoístas, por lei universal, que dá a cada um o que procura”. Esta frase reforça a ideia de que a possessão não é algo que acontece ao acaso, mas uma consequência direta das escolhas morais e espirituais do indivíduo. A solução para a possessão, portanto, não está em afastar o Espírito obsessor por meios externos, mas em uma profunda reforma íntima por parte do encarnado.
A Reforma Íntima como Solução para a Possessão
Tanto os Espíritos superiores quanto Miramez apontam que a verdadeira solução para a possessão e para qualquer tipo de obsessão espiritual está na reforma íntima. A transformação moral do encarnado, através da prática constante dos ensinamentos de Jesus, é o caminho mais seguro para se libertar da influência de Espíritos inferiores.
Miramez é enfático ao afirmar que o Evangelho de Jesus é o roteiro mais seguro para a libertação espiritual. Ele explica que, enquanto o encarnado permanecer nas faixas de pensamento e comportamento que o ligam aos Espíritos das trevas, mesmo que os obsessores sejam afastados temporariamente, eles sempre retornarão, muitas vezes trazendo consigo outros Espíritos, agravando ainda mais a situação.
Portanto, a única forma definitiva de se livrar das influências negativas é sair dessas faixas vibratórias através da elevação moral. Isso envolve cultivar sentimentos de amor, perdão, compaixão e caridade, conforme exemplificado por Jesus durante sua vida na Terra. O encarnado deve, segundo Miramez, copiar diariamente a vida de Jesus, para que, gradualmente, possa se afastar dos antigos padrões que o ligavam aos Espíritos malfazejos.
O Papel da Prece e da Caridade
Um ponto crucial na doutrina espírita é o poder da prece e da caridade no processo de libertação espiritual. A prece sincera e a prática da caridade são ferramentas poderosas que elevam a vibração do encarnado, afastando Espíritos obsessores e aproximando Espíritos de luz, que podem ajudar no processo de cura e transformação.
Miramez menciona que a caridade, conforme nos ensinou o apóstolo Paulo, é o caminho seguro para a salvação. Ele reforça que a verdadeira caridade não é apenas material, mas espiritual, envolvendo o cuidado consigo mesmo e com o próximo. Quando cultivamos a caridade em nossas vidas, estamos seguindo as leis divinas e abrindo espaço para que Espíritos benévolos nos auxiliem em nossa jornada.
Conclusão
A possessão espiritual, segundo a Doutrina Espírita, não é um fenômeno místico ou sobrenatural, mas um processo que ocorre dentro das leis naturais e espirituais que regem o universo. Embora um Espírito desencarnado não possa “tomar” o corpo de um encarnado, ele pode exercer uma influência tão grande que parece controlar suas ações. Isso só acontece, no entanto, quando há uma afinidade moral e vibratória entre ambos, e o encarnado está mergulhado em sentimentos e comportamentos negativos.
A solução para a possessão está na reforma íntima, na elevação moral e espiritual do encarnado, através do estudo do Evangelho de Jesus, da prática da caridade e da prece. Somente assim o encarnado poderá se libertar das influências negativas e caminhar rumo à sua evolução espiritual.
O Espiritismo nos ensina que somos os arquitetos do nosso próprio destino e que, através do livre-arbítrio, podemos escolher nosso caminho. Que possamos escolher sempre o caminho do amor, da luz e da fraternidade, para que sejamos guiados por Espíritos de bondade e paz.