13 de novembro de 2024

Possessão ou Simbiose?

Por O Redator Espírita
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Possessão ou Simbiose? Reflexões Espíritas sobre a Influência Espiritual

No estudo da doutrina espírita, a obsessão, o subjugamento e o conceito popular de “possessão” despertam grande interesse e curiosidade entre os estudiosos e praticantes. A busca pela compreensão desses fenômenos, sobretudo em uma perspectiva espiritualista que transcenda crenças antigas e dogmáticas, é essencial para o avanço da nossa compreensão sobre as relações entre encarnados e desencarnados.

A questão 474 de O Livro dos Espíritos, formulada por Allan Kardec, é central para o entendimento deste tema, lançando luz sobre a diferença fundamental entre a possessão, como comumente compreendida no vocabulário popular, e a verdadeira natureza das influências espirituais que podem subjugar uma alma.

Este artigo busca aprofundar a análise dessa questão, considerando as explicações dos Espíritos Superiores, as reflexões de Allan Kardec e o comentário enriquecedor do Espírito Miramez, na obra Filosofia Espírita.

A Questão 474 de O Livro dos Espíritos: Possessão ou Subjugação?

Allan Kardec, na busca pelo esclarecimento dos fenômenos espirituais, pergunta aos Espíritos sobre a possibilidade de uma possessão verdadeira, em que dois Espíritos habitam simultaneamente um mesmo corpo. A pergunta 474 revela:

“Desde que não há possessão propriamente dita, isto é, coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de a sua vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada?”

A resposta dos Espíritos é clara:

“Sem dúvida, e são esses os verdadeiros possessos. Mas, é preciso saibas que essa dominação não se efetua nunca sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por desejá-la. Muitos epilépticos ou loucos, que mais necessitavam de médico que de exorcismos, têm sido tomados por possessos.”

Essa resposta já nos conduz a uma compreensão diferenciada do que seria considerado “possessão”. A coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo não ocorre, segundo os Espíritos Superiores, pois o corpo é a veste de uma alma única. O que de fato pode ocorrer é uma dominação ou subjugação, em que o Espírito encarnado se encontra sob forte influência de um Espírito obsessor, de maneira que sua vontade e liberdade de ação ficam comprometidas.

Essa dominação, no entanto, não é imposta de maneira unilateral. O Espírito obsidiado, em certa medida, permite ou facilita essa interferência espiritual. Seja por fraqueza moral, seja por uma afinidade com os sentimentos e pensamentos inferiores do Espírito obsessor, a subjugação não ocorre sem que haja alguma forma de consentimento. Este ponto é crucial para entendermos como os mecanismos de obsessão funcionam e como eles se enraízam na vida de uma pessoa.

A Nota de Kardec: Desmistificando a Possessão

Na nota explicativa que Kardec oferece, ele desvenda o significado popular do termo “possessão” e nos alerta sobre o uso inadequado deste termo, que pode gerar confusão:

“O vocábulo possesso, na sua acepção vulgar, supõe a existência de demônios, isto é, de uma categoria de seres maus por natureza, e a coabitação de um desses seres com a alma de um indivíduo, no seu corpo. Pois que, nesse sentido, não há demônios e que dois Espíritos não podem habitar simultaneamente o mesmo corpo, não há possessos na conformidade da ideia a que esta palavra se acha associada. O termo possesso só se deve admitir como exprimindo a dependência absoluta em que uma alma pode achar-se com relação a Espíritos imperfeitos que a subjuguem.”

Kardec nos convida a descartar o conceito de possessão baseado em uma visão dualista, em que “demônios” habitam o corpo humano. O Espiritismo não reconhece a existência de demônios no sentido de seres criados exclusivamente para o mal, pois compreende que todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, e estão em diferentes estágios de evolução. Aqueles que chamamos de “Espíritos imperfeitos” são simplesmente seres que ainda se encontram distantes da luz do progresso moral e espiritual.

Neste contexto, o termo “possesso” deve ser reavaliado. Kardec sugere que o emprego dessa palavra se restringe à condição em que uma alma encarnada se encontra em profunda dependência de um Espírito inferior. Essa “possessão” é, na verdade, uma forma de subjugação que, como vimos na resposta dos Espíritos, não ocorre sem uma abertura ou afinidade de quem a sofre.

A Visão de Miramez: A Simbiose entre Espíritos

O Espírito Miramez, em sua obra Filosofia Espírita, vai além da mera explicação técnica da obsessão e subjugação. Ele oferece uma reflexão profunda sobre o que pode ser chamado de “simbiose espiritual”, um termo que denota a relação íntima e muitas vezes inconsciente entre um Espírito encarnado e um desencarnado.

Miramez inicia seu comentário afirmando:

“A palavra possesso é apenas força de expressão, de sorte a entendermos uma profunda simbiose de dois Espíritos que se afinizam. Os dois têm muito em comum, igualdade de sentimentos nos seus roteiros percorridos e a percorrer.”

Miramez, Filosofia Espírita

Neste ponto, Miramez esclarece que a “possessão” nada mais é do que uma simbiose, um relacionamento de afinidade entre dois Espíritos. Ao contrário do conceito popular, onde a possessão é vista como uma violação da vontade, o que realmente acontece é uma conexão íntima baseada em uma afinidade moral e vibratória. O Espírito obsessor se conecta ao encarnado porque há, de ambos os lados, uma sintonia de pensamentos, sentimentos e intenções.

Essa simbiose é extremamente importante de ser compreendida, pois ela nos mostra que o primeiro passo para a libertação da obsessão está em nós mesmos. A transformação interior, o fortalecimento dos nossos valores morais e a elevação de nossos pensamentos são as chaves para cortar esses laços que nos prendem aos Espíritos inferiores.

Miramez reforça essa ideia quando afirma:

“Ele haverá de promover para seu bem-estar, mudanças nos seus sentimentos mais profundos. Existem os pensamentos secretos que alimentamos e que temos prazer de sentir, e são eles que criam uma linha de comunicação com os Espíritos das trevas, a nos induzirem para a possessão.”

Aqui, ele enfatiza que os pensamentos e sentimentos mais íntimos que cultivamos, muitas vezes em segredo, são os verdadeiros condutores que criam a abertura para a obsessão. Nossos padrões mentais e emocionais atraem companhias espirituais compatíveis. Se alimentamos ressentimentos, mágoas, orgulho ou egoísmo, estamos, na prática, abrindo as portas para a influência de Espíritos que compartilham desses mesmos sentimentos.

A Dependência e a Libertação

Ao longo de sua explicação, Miramez nos oferece uma perspectiva ainda mais ampla sobre a relação de dependência que podemos desenvolver, tanto com outros encarnados quanto com Espíritos desencarnados. Ele nos lembra que, muitas vezes, a dependência emocional entre pessoas encarnadas é semelhante à obsessão espiritual. Essa falta de independência emocional e espiritual pode nos tornar vulneráveis à influência de outros, seja no plano físico ou no espiritual.

A libertação dessas amarras, segundo Miramez, só pode ser alcançada por meio do autoconhecimento e da transformação moral. Ele nos convida a seguir os ensinamentos de Jesus, destacando a importância de conhecermos a verdade para nos tornarmos verdadeiramente livres. E essa verdade não é meramente intelectual, mas uma verdade que se manifesta em nossas atitudes, na forma como tratamos o próximo e como cultivamos nossa vida interior.

“Foge de toda a dependência, a não ser a de Deus, que o Cristo nos ajudará nos processos de libertação do mal que se aproximar de nós.”

A verdadeira libertação espiritual passa pela nossa entrega aos ensinamentos superiores, pela prática do bem e pela caridade. É por meio do amor, da fraternidade e da elevação dos nossos pensamentos que podemos nos fortalecer contra qualquer influência negativa, rompendo o ciclo de dependência que nos liga aos Espíritos inferiores.

Conclusão: A Verdadeira Libertação

A análise da questão 474 de O Livro dos Espíritos nos leva a uma compreensão mais profunda sobre o fenômeno da “possessão” e suas implicações espirituais. Não há, de fato, uma coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, mas sim uma profunda simbiose, uma relação de dependência que ocorre em função da afinidade entre o encarnado e o Espírito obsessor.

A libertação dessa influência depende do fortalecimento moral e espiritual do indivíduo, que deve buscar, antes de tudo, a reforma íntima, o autoconhecimento e a prática do bem. Ao elevarmos nossos pensamentos e sentimentos, estamos nos conectando a esferas espirituais mais elevadas, e, assim, rompendo os laços que nos prendem às sombras.

Que possamos, com base nesses ensinamentos, buscar sempre a nossa elevação espiritual, para que, ao invés de estarmos sujeitos à influência de Espíritos inferiores, sejamos instrumentos do amor e da luz, auxiliando na construção de um mundo mais fraterno e harmonioso.