Se fosse um homem de bem, teria morrido
Se fosse um homem de bem, teria morrido
Uma análise doutrinária e profunda
Entre os muitos ensinamentos consoladores e esclarecedores que a Doutrina Espírita nos oferece, poucos são tão impactantes quanto aqueles que tratam da vida e da morte sob a perspectiva da imortalidade da alma. No Capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado “Bem-aventurados os aflitos”, encontramos preciosas instruções que nos convidam a repensar os nossos valores terrenos e a nossa visão limitada dos acontecimentos da vida.
Dentro desse contexto, destaca-se a mensagem intitulada “Se fosse um homem de bem, teria morrido”, assinada por Fénelon, espírito de elevada sabedoria. Neste artigo, buscaremos explorar, de forma detalhada e minuciosa, cada aspecto contido nesse trecho, sempre atentos à necessidade de transformar o conhecimento em instrumento de reforma íntima e de esclarecimento para todos os que trilham o caminho do progresso espiritual.
A visão equivocada dos homens encarnados
É comum, no mundo, julgarmos os acontecimentos pela aparência imediata. Ao observarmos que um homem de má conduta escapa ileso de uma situação perigosa enquanto outro, conhecido por sua bondade, sofre ou desencarna, tendemos a reagir com frases como: “Se fosse um homem de bem, teria morrido.” Essa expressão, analisada superficialmente, parece conter contradição, mas, na realidade, revela profundas verdades espirituais quando examinada à luz do Espiritismo.
Fénelon nos ensina que, de fato, muitas vezes, Deus permite que o Espírito ainda imperfeito permaneça mais tempo na Terra para que possa progredir, aprendendo e reparando faltas. Em contrapartida, o Espírito mais adiantado, cuja tarefa já se cumpriu, é libertado do jugo carnal e conduzido à verdadeira vida — a espiritual.
Aqui, já somos convidados a refletir sobre um dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita: a reencarnação como meio de aprimoramento e a vida material como apenas uma etapa transitória da existência eterna.
O valor da encarnação para o Espírito imperfeito
Ao afirmar que ao mau se concede, muitas vezes, uma prova mais longa, a mensagem sublinha a misericórdia divina que dá a todos as oportunidades necessárias para a evolução. Para Espíritos em estágio incipiente de progresso, a permanência na vida corporal é uma bênção, pois nela encontram as ferramentas para a educação dos sentimentos, a reparação de equívocos e o exercício de virtudes ainda incipientes.
A Terra, como sabemos, é ainda um mundo de provas e expiações. Nesse tipo de orbe, a maioria dos Espíritos reencarnados são de ordem mediana ou inferior, em processo de aprendizado e redenção. Sendo assim, a duração da encarnação de um Espírito está intimamente ligada às necessidades da sua evolução pessoal e não, como julgamos apressadamente, ao mérito ou demérito circunstancial.
Compreender essa dinâmica é fundamental para não cairmos na tentação de julgar injustamente a Justiça Divina, esquecendo que, enquanto vemos apenas a superfície dos acontecimentos, Deus contempla o Espírito em sua trajetória eterna.
A morte como libertação
Outro ponto sublime da mensagem é a concepção da morte como libertação. Diferentemente da visão materialista que enxerga a morte como o fim da existência, o Espiritismo nos revela que ela é, na verdade, o retorno do Espírito à verdadeira pátria: o mundo espiritual.
O homem de bem, ao concluir sua tarefa, é chamado de volta, recompensado com a liberdade da alma. Ele rompe os laços que o prendiam à matéria e reencontra, na espiritualidade, aqueles que o antecederam na jornada, recebendo o acolhimento merecido pela sua dedicação ao bem.
Assim, longe de ser motivo de lamento, a morte do justo deve ser entendida como uma vitória, como a libertação de um prisioneiro após o cumprimento da pena, como Fénelon tão poeticamente expressa.
E mais: o encarnado que compreende essa realidade deixa de se revoltar contra as perdas e aprende a confiar no planejamento divino, aceitando, com resignação e fé, os desígnios do Alto.
A lógica da Justiça Divina
Ao comparar o Espírito encarnado a um prisioneiro, Fénelon esclarece que a verdadeira liberdade está no estado espiritual e não na existência terrena. Permitir que um Espírito bom permaneça além do necessário seria um ato contrário à Justiça Divina, pois a encarnação, para ele, já teria cumprido sua finalidade.
Analogamente, desejar que um mau homem morra apenas por julgá-lo indigno da vida é uma falta grave, pois impede que ele tenha a oportunidade de se regenerar. Tal pensamento revela a nossa falta de compreensão da misericórdia de Deus, que “não tem prazer na morte do ímpio, mas que deseja que ele se converta dos seus caminhos e viva” (Ezequiel 18:23).
O ensino aqui é claro: não nos cabe julgar a quem a vida ou a morte deve alcançar, pois apenas Deus conhece a extensão das tarefas, débitos e méritos de cada Espírito.
A importância da humildade perante os desígnios divinos
Outro ensinamento precioso da mensagem é o convite à humildade. Fénelon adverte que devemos nos habituar a não censurar o que não podemos compreender. Essa orientação é de extrema importância para o nosso progresso espiritual.
Muitas vezes, no afã de encontrar respostas imediatas e satisfazer nossa visão limitada, caímos em julgamentos precipitados e duvidamos da justiça de Deus. No entanto, a Doutrina Espírita nos lembra que, sendo limitadas nossas faculdades intelectuais, não podemos apreender o conjunto da obra divina.
Somos convidados, portanto, a confiar mais, a exercitar a fé raciocinada, a expandir a nossa visão além da materialidade e a buscar compreender a existência dentro de sua realidade maior: a vida espiritual.
A verdadeira vida é a espiritual
É uma constante no Evangelho e na Doutrina Espírita o ensinamento de que a verdadeira vida não é a terrena, mas a espiritual. Aqui na Terra, estamos como viajores em trânsito, como estudantes em uma escola. As dores, as perdas, as decepções e mesmo a morte são apenas episódios passageiros que visam nosso amadurecimento e progresso.
À medida que internalizamos essa verdade, diminuem nossas angústias diante das aparentes injustiças da vida e cresce em nós a serenidade diante dos acontecimentos.
A mensagem de Fénelon é um convite à elevação do pensamento. Ele nos impulsiona a sair da “acanhada esfera” de preocupações materiais e nos convida a alçar voo para planos superiores de entendimento, onde a justiça e o amor divinos brilham com clareza.
A revolta contra a morte: um sinal de materialismo
Outro ponto que merece nossa atenção é a reação comum de revolta contra a morte, sobretudo quando esta ceifa pessoas jovens, virtuosas ou queridas.
O Espiritismo nos ensina que a revolta diante da morte é fruto de materialismo ou, no mínimo, da falta de compreensão sobre a verdadeira finalidade da vida. Quanto mais presos estamos à visão terrena, maior é o nosso sofrimento diante das separações.
Entretanto, ao iluminarmos a nossa fé com o conhecimento espírita, compreendemos que a morte não é o fim, mas a continuidade natural da existência. A separação é apenas temporária e serve para o amadurecimento do amor, que é eterno.
A missão dos Espíritos na Terra
Todos os Espíritos, ao reencarnar, trazem consigo tarefas específicas que visam tanto o seu próprio adiantamento quanto o auxílio ao próximo. Essas missões podem variar imensamente, desde simples testemunhos de resignação até grandes realizações sociais ou espirituais.
Quando um Espírito de bem desencarna, é sinal de que a sua missão foi cumprida ou que, naquele momento, sua partida representa maior benefício para si e para os que ficam. Em muitos casos, a desencarnação do justo funciona como um testemunho de fé, uma lição viva para aqueles que sofrem com a perda.
Assim, mesmo a dor provocada pela partida de um ente querido pode ser, em si mesma, um instrumento de progresso para todos os envolvidos.
A misericórdia divina para com os maus
É também muito tocante a maneira como Fénelon destaca a misericórdia divina para com os Espíritos ainda imperfeitos. Em vez de condená-los sumariamente, Deus lhes concede oportunidades sucessivas de redenção.
Aqueles que hoje são maus podem, através do tempo e das provas necessárias, transformarem-se em seres luminosos. Lembremo-nos de que todos nós, em algum momento da eternidade, fomos Espíritos imperfeitos e ignorantes, e só chegamos ao estado atual graças à paciência e amor do Criador.
Portanto, o ensinamento é claro: não devemos julgar nem condenar, mas trabalhar pela nossa própria melhoria, confiando no processo de evolução de todos os seres.
Conclusão
A mensagem de Fénelon, contida no item 22 do Capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, é de uma profundidade imensa. Ela nos chama a repensar nossos valores, a abandonar o julgamento precipitado, a confiar na justiça e na misericórdia divinas, e a enxergar a vida e a morte sob a luz da imortalidade da alma.
Entender que “se fosse um homem de bem, teria morrido” não é uma ironia cruel, mas a revelação de uma verdade espiritual sublime, é um passo fundamental para a maturidade espiritual.
Que possamos, à luz desses ensinamentos, fortalecer nossa fé, aprimorar nossa capacidade de resignação e confiança, e orientar nossas vidas pela certeza de que a verdadeira existência não está nos curtos dias que passamos na Terra, mas sim na eternidade gloriosa que nos aguarda.