A Beneficência
A Beneficência Segundo o Bispo de Argel: Ensinamentos do Evangelho

Ao refletirmos sobre a instrução deixada por Adolfo, bispo de Argel, no capítulo XIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos uma das mais belas e práticas lições sobre a caridade em sua expressão mais pura: a beneficência. A mensagem, escrita em tom de apelo fraterno e profundo, revela não apenas a importância de ajudar, mas a forma como essa ajuda deve ser conduzida para que seja fonte de alegria verdadeira, tanto para quem recebe quanto para quem doa.
A beneficência é apresentada como fonte de “puros e suaves deleites”, uma alegria íntima que não se compara às festas mundanas e efêmeras. Trata-se de uma alegria moral, desprovida de arrependimento, nascida do contato direto com o sofrimento humano e do esforço de aliviá-lo. A generosidade, nesse sentido, transcende o ato material: ela é uma postura de vida, um sentimento que faz o indivíduo olhar para os outros como olha para si mesmo, chegando ao ponto de se despir, jubiloso, para vestir o irmão.
A essência da beneficência
O bispo de Argel nos mostra que a caridade não se limita a um gesto de auxílio passageiro, mas é uma atitude que aproxima o ser humano da própria Divindade. Ao estender a mão, o homem torna-se representante de Deus na Terra, colaborando na obra divina de consolação e de amor. Assim, cada ato de beneficência é revestido de um caráter sagrado, por carregar em si o reflexo do Criador.
É importante notar que a alegria que nasce da beneficência não se restringe ao momento vivido. Ela acompanha a alma, tornando-se patrimônio espiritual. O texto ressalta que praticando a caridade, os homens criam para si “infinitos gozos no futuro” e encontram, já na Terra, consolações e esperanças que se projetam além da vida material. O bem praticado hoje frutifica em paz e serenidade para o espírito imortal.
Outro aspecto central é o convite para que o auxílio não se limite às necessidades visíveis. As misérias ocultas, aquelas que não se mostram com facilidade e que, justamente por isso, doem ainda mais, são destacadas como alvo preferencial da beneficência. Reconhecer tais dores exige sensibilidade, tato e amor profundo. Nem sempre se trata de oferecer pão ou agasalho; muitas vezes, é o ombro fraterno, a escuta atenta ou a palavra de esperança que restauram a dignidade e a coragem do próximo.
Beneficência e alegria moral
Em contraste com os prazeres transitórios do mundo, a beneficência oferece alegrias duradouras, sem remorsos ou sombras. O exemplo das famílias pobres que, ao receberem auxílio, veem os semblantes se iluminarem com esperança, é uma imagem comovente. O consolo gerado pela caridade é mais profundo do que qualquer divertimento social, pois traz o alívio imediato da dor e a renovação da confiança em Deus. Quem se dedica a tais gestos descobre impressões deliciosas, como diz o bispo, que se gravam no íntimo como fonte de felicidade genuína.
Caridade como educação espiritual
O exercício da beneficência educa o coração. Ao fazer o bem, o indivíduo expande sua afetividade, aprende a olhar para além de si mesmo e encontra satisfação no sorriso do outro. Esse processo é formador: quanto mais se pratica a caridade, mais natural ela se torna, e mais próximo se está da verdadeira paz interior. O texto mostra que o alívio da dor de uma mãe diante do choro de seus filhos famintos não é apenas uma ação de socorro; é também uma experiência que transforma a alma de quem pratica.
Esse caráter educativo da caridade se estende à responsabilidade social. O apelo “Ide, ide ao encontro do infortúnio” é um chamado à ação contínua e organizada. Não basta esperar que a dor se manifeste diante de nós: é preciso buscá-la, identificá-la e enfrentá-la. Essa disposição ativa revela maturidade espiritual e compromisso com a obra de Deus.
A humildade na prática da caridade
Outro ponto destacado é a necessidade de gratidão e desprendimento. Diante das próprias dificuldades, em vez de queixar-se, o espírita é convidado a agradecer a Deus pela oportunidade de servir. O ato de doar deve nascer de um coração livre de vaidades, que se sente feliz por poder dividir, seja o dinheiro, o amor ou a simpatia. A beneficência que humilha ou ostenta não é verdadeira; o verdadeiro espírito da caridade se reveste de humildade e respeito.
Desafios e riscos da beneficência
Embora sublime, a beneficência enfrenta obstáculos. Muitas vezes, corre-se o risco de praticá-la de forma paternalista, criando dependência e diminuindo a dignidade de quem recebe. Outras vezes, pode-se cair na tentação da exibição, usando o bem como palco de reconhecimento. O texto nos adverte a evitar essas distorções, lembrando que a caridade deve ser feita discretamente, com simplicidade e sinceridade. Além disso, é necessário cuidar para que o trabalho caridoso não leve ao esgotamento, pois a caridade equilibrada é a que se sustenta com constância.
Atualidade da mensagem
Ainda que escrito no século XIX, o texto do bispo de Argel é surpreendentemente atual. Hoje, as formas de miséria se diversificaram, mas a essência permanece a mesma. A fome, o abandono e a solidão ainda são realidades. Porém, as “misérias ocultas” talvez se multipliquem em uma sociedade marcada pelo individualismo, pelo isolamento emocional e pela indiferença. O chamado para ver Deus no necessitado é tão urgente quanto antes. Cada gesto, por menor que seja, tem o poder de aliviar e renovar.
Na prática contemporânea, a beneficência pode assumir diferentes formas: visitas fraternas, campanhas solidárias, acompanhamento de idosos e crianças em vulnerabilidade, apoio emocional a quem sofre em silêncio. Não se trata apenas de dar coisas, mas de oferecer presença, carinho e dignidade. É esse espírito que mantém viva a recomendação evangélica: “Quando vestirdes a um destes pequeninos, lembrai-vos de que é a mim que o fazeis!”
Virtude Divina
A beneficência, segundo o bispo de Argel, é muito mais que um gesto de auxílio: é virtude divina, caminho de paz e contentamento, fonte de alegria moral e remédio para as aflições da vida. Ela não exige apenas mãos que doem, mas corações que compreendam, olhos que percebam as dores ocultas e almas que saibam agradecer a Deus pela oportunidade de servir. O espírita que assim procede encontra na caridade não só a paz de consciência, mas também a certeza de que se aproxima de Deus, transformando-se em seu instrumento de amor.
Esse é o convite que o Evangelho nos faz: não apenas praticar a caridade, mas vivê-la como expressão contínua do amor divino. É nela que repousa a verdadeira felicidade, hoje e sempre.