A Divisão da Natureza
A Divisão da Natureza
Uma Visão Espírita da Evolução em Quatro Graus

Desde os primórdios da filosofia e da ciência, o ser humano busca compreender a natureza e os elementos que a compõem. Classificações surgiram ao longo dos séculos na tentativa de ordenar a criação em sistemas compreensíveis. Porém, a Doutrina Espírita, com sua visão espiritualista e progressiva, nos convida a ir além da aparência material dos seres. Na pergunta 585 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec propõe aos Espíritos Superiores uma reflexão sobre a divisão da natureza em reinos — orgânicos, inorgânicos e, segundo alguns, a espécie humana como uma classe à parte.
Esta questão, aparentemente simples, abre vasto campo para uma análise mais profunda sobre os degraus da evolução, a origem e a destinação das almas, e os caminhos ascendentes da vida. Com base na resposta dos Espíritos, na lúcida nota de Kardec e no comentário do Espírito Miramez — constante da obra Filosofia Espírita, psicografada por João Nunes Maia —, este artigo propõe uma abordagem minuciosa sobre o tema da divisão da natureza, seus significados e implicações espirituais.
A Pergunta 585 de O Livro dos Espíritos
A pergunta elaborada por Kardec é objetiva e trata de uma tentativa de classificação:
“Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana forma uma quarta classe. Qual destas divisões é preferível?”
A resposta dos Espíritos foi igualmente concisa, porém extremamente reveladora:
“Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos. Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.”
Com base nessa resposta, Kardec acrescenta uma nota esclarecedora, que organiza os reinos da natureza conforme suas propriedades:
- Matéria inerte (reino mineral) – força mecânica.
- Plantas (reino vegetal) – vitalidade.
- Animais (reino animal) – vitalidade + instinto + consciência de si.
- Homem (reino hominal) – vitalidade + inteligência + consciência do futuro + percepção extramaterial + noção de Deus.
Kardec destaca que os limites entre os reinos se confundem em suas extremidades. Essa interpenetração mostra que a criação é contínua, progressiva e graduada.
A Visão de Miramez – Um Olhar Espiritual e Poético
O Espírito Miramez, no capítulo intitulado Divisão da Natureza, amplia os horizontes desta questão com sua característica linguagem simbólica, profunda e amorosa. Ele parte do mesmo princípio apresentado pelos Espíritos da Codificação, mas enriquece a explicação ao associar o progresso da alma ao percurso através dos quatro reinos.
Segundo Miramez, a natureza se divide materialmente em dois grandes grupos — orgânicos e inorgânicos — e moralmente em quatro degraus ou reinos. Cada reino é uma etapa no despertar da alma em sua longa trajetória evolutiva. Essa ascensão é um processo contínuo, que se perde nos véus do tempo e nas profundezas do espírito.
A Evolução da Alma – Subida por Degraus
Miramez afirma que “esses quatro degraus […] são apenas o respaldo para o despertamento da alma”. Isso significa que os reinos não são compartimentos estanques, mas estações provisórias por onde transita o princípio espiritual. São moldes temporários que moldam, educam e enriquecem a alma, até que esta atinja sua plenitude.
1. Reino Mineral – A Força Mecânica
No primeiro degrau está a matéria inerte. Mas Miramez alerta: nada existe sem vida na criação de Deus. Ainda que nos pareça estática e desprovida de movimento consciente, a matéria contém os germes da vida. Há, segundo ele, uma “força mecânica buscando a evolução da vitalidade”. É o estado embrionário do princípio espiritual, quase indistinto, mas já presente e regido por leis que o impulsionam adiante.
A rocha, o cristal, o metal — todos estão sob ação das leis divinas. Aqui se forma a base da experiência que mais tarde se transformará em percepção, instinto e, por fim, razão. É a vida em sua fase latente.
2. Reino Vegetal – O Despertar da Vitalidade
No segundo degrau, a vida se manifesta com vitalidade. As plantas absorvem luz, água e nutrientes, crescem, se reproduzem. Elas não se movem por vontade própria, mas reagem a estímulos. É um salto expressivo em relação ao mineral, embora ainda sem consciência de si.
Miramez observa que os vegetais, “com impulsos irresistíveis, procuram movimentos para alcançar uma inteligência, mesmo que seja instintiva”. A planta é, portanto, um laboratório silencioso da alma, onde se elaboram os mecanismos da sensibilidade e da reação.
É nesse estágio que o princípio espiritual começa a experimentar a transformação da força em vida, e da vida em sensibilidade embrionária.
3. Reino Animal – O Instinto e a Consciência de Si
No terceiro degrau, surge o instinto e a consciência individual. O animal é dotado de vitalidade, instinto e uma forma elementar de inteligência. Ele reconhece o ambiente, responde a ele, sente dor, fome, medo, prazer. Em certos casos, há traços de afeição, fidelidade e até rudimentos de raciocínio.
Miramez ensina que “os animais […] aspiram a ser o homem”. Esta é uma das mais belas afirmações da Doutrina Espírita: todos os seres estão destinados à ascensão. A alma, agora individualizada, começa a experimentar os primeiros germes do pensamento contínuo. Não apenas reage — começa a antecipar.
Ainda que sem consciência moral, os animais são seres em transição. São irmãos menores na escala evolutiva, e como tais, merecem nosso respeito e proteção.
4. Reino Hominal – A Inteligência e a Moral
O quarto degrau é o homem, dotado de razão, consciência do futuro e percepção das coisas espirituais. Aqui o Espírito se manifesta em plenitude. É o ser moral, responsável por seus atos, capaz de distinguir o bem do mal e de conhecer Deus.
Kardec afirma que o homem “domina todas as outras classes por uma inteligência especial, indefinida”. É essa indefinição que o torna potencialmente infinito em possibilidades. A inteligência humana não se limita à sobrevivência; ela cria, reflete, projeta, idealiza.
Miramez complementa afirmando que o homem “trabalha consciente e inconscientemente para despertar suas qualidades angélicas”. Isso indica que o reino humano não é o último, mas uma ponte para reinos superiores, de ordem puramente espiritual. A meta é o Espírito puro, que age com base no amor e na sabedoria divina.
A Transição Entre os Reinos – Limites Fluídos
Um dos aspectos mais interessantes tanto na nota de Kardec quanto no comentário de Miramez é a noção de que os reinos não possuem limites rígidos. A passagem de um para outro é sutil, progressiva, imperceptível. Não há “salto” brusco; há transição gradativa, tanto no plano material quanto no espiritual.
Miramez afirma que “os extremos sempre se confundem e escapam à nossa pesquisa”. Isso é um convite à humildade. A ciência ainda não tem instrumentos para detectar os pontos de mutação entre os reinos. E talvez nunca os tenha completamente. A natureza esconde seus mistérios para que os descubramos com maturidade.
Tudo Está Vivo – A Vida é Universal
Um dos conceitos mais profundos trazidos por Miramez é que nada está morto na criação de Deus. A vida se manifesta em todos os níveis — do átomo ao arcanjo. Mesmo o que chamamos de “matéria inerte” está imerso em movimento e energia. A vida, portanto, não é exceção — é a regra universal.
Isso nos leva a um respeito integral pela criação. A pedra, a árvore, o animal, o homem — todos são expressões de uma mesma essência, em diferentes estágios de despertar. Essa compreensão amplia nosso senso de fraternidade universal e nos chama à responsabilidade ecológica, ética e espiritual.
Agentes Espirituais da Natureza – Os Espíritos do Senhor
Miramez encerra seu comentário revelando uma dimensão oculta da natureza: a atuação dos Espíritos superiores como agentes das leis divinas. Segundo ele, esses Espíritos “comandam todos os movimentos da água e do ar, da agricultura e da pecuária, das religiões e das ciências, dos animais e dos vegetais”.
Isso nos mostra que a natureza não é um sistema cego, mas um organismo vivo, assistido e conduzido por inteligências superiores. Há diretores espirituais de regiões, elementos, espécies, áreas do conhecimento e setores da evolução. O universo é regido por leis, sim — mas leis com propósito, amor e inteligência.
Conclusão – A Natureza Como Escola da Alma
Estudar a divisão da natureza à luz do Espiritismo é muito mais do que organizar reinos e classes. É compreender que a criação inteira é uma escola da alma, e que cada etapa é necessária, bela e sagrada.
A resposta dos Espíritos na pergunta 585, a nota de Allan Kardec e o comentário de Miramez revelam que:
- A natureza material pode ser dividida em dois grandes grupos: orgânicos e inorgânicos.
- Moralmente, existem quatro graus fundamentais: mineral, vegetal, animal e humano.
- Cada degrau representa um estágio de desenvolvimento do princípio espiritual.
- A vida é universal, presente até nas formas mais rudimentares da criação.
- A transição entre os reinos é fluida e contínua.
- Espíritos superiores colaboram com Deus na condução da natureza e da humanidade.
- O destino de todos os seres é a perfeição, o amor e a luz.
Que saibamos olhar para a natureza com reverência e consciência. Cada ser, por mais simples que pareça, está a caminho da luz. E cada um de nós é um viajante milenar, escalando os degraus da evolução rumo à perfeição divina.