O Egoísmo segundo Pascal
O Egoísmo segundo Pascal: Ensinamentos do Evangelho

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, constitui-se em um roteiro seguro para a compreensão das leis divinas e da vida espiritual. Em suas páginas, encontramos lições que, apesar de escritas no século XIX, continuam absolutamente atuais diante dos desafios éticos, morais e sociais da humanidade. No Capítulo XI de O Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado Amar o próximo como a si mesmo, deparamo-nos com um dos pilares mais sólidos da moral cristã: a caridade como expressão maior do amor universal.
Entre as instruções dos Espíritos, destaca-se a mensagem atribuída a Pascal, espírito de grande envergadura moral e intelectual, que nos apresenta um estudo profundo acerca do egoísmo, suas consequências e o antídoto indispensável: a caridade. É justamente sobre esse trecho, encontrado no item 12, que nos deteremos neste estudo.
O texto de Pascal é de uma clareza admirável e contém reflexões que atravessam os séculos, apontando não apenas para a realidade da época em que foi psicografado (Sens, 1862), mas também para os dilemas atuais da sociedade, em que o egoísmo continua a ser o maior obstáculo à fraternidade.
O objetivo deste artigo é aprofundar o entendimento dos ensinos contidos nesse item específico, explorando suas implicações espirituais, sociais e individuais, bem como refletir sobre os caminhos que nos levam à superação do egoísmo pela vivência prática da caridade.
A essência do ensinamento de Pascal
O texto inicia com uma condição essencial: “Se os homens se amassem com mútuo amor, mais bem praticada seria a caridade”. Aqui, Pascal nos lembra que o amor recíproco é a base sobre a qual a caridade deve ser edificada. A caridade não deve ser vista apenas como um ato externo de auxílio, mas como uma disposição íntima que nasce do reconhecimento da dignidade do próximo.
No entanto, para alcançar tal disposição, é necessário “largar a couraça que cobre os corações”. Essa metáfora é poderosa: o egoísmo age como uma couraça, uma armadura que protege o indivíduo de sentir a dor alheia. Essa insensibilidade não é natural ao espírito; é resultado de vícios adquiridos, do orgulho que se alia ao egoísmo e sufoca os sentimentos mais nobres.
Pascal evoca o Cristo como modelo supremo: “O Cristo jamais se escusava; não repelia aquele que o buscava, fosse quem fosse.” A lembrança do Mestre é central, pois Ele mesmo demonstrou em sua vida terrena que a verdadeira grandeza está na capacidade de amar indistintamente, sem medir reputações, posições sociais ou antecedentes.
A rigidez do coração e a morte dos bons sentimentos
Ao afirmar que “a rigidez mata os bons sentimentos”, Pascal nos convida a refletir sobre a dureza que o egoísmo gera no espírito humano. A rigidez, aqui, não se refere apenas a uma postura fria ou indiferente, mas a um verdadeiro endurecimento da alma, incapaz de se comover diante da dor do próximo.
O egoísmo, aliado ao orgulho, leva o ser humano a colocar seus interesses acima de qualquer valor, tornando-o surdo às necessidades alheias. Essa rigidez espiritual é um obstáculo direto ao progresso moral. Enquanto ela prevalecer, a humanidade não poderá experimentar a fraternidade em sua plenitude.
O contraste é feito com a postura do Cristo, que se aproximava tanto da adúltera quanto do criminoso, sem jamais temer julgamentos ou prejuízos à sua reputação. Aqui está uma lição profunda: a verdadeira caridade não se preocupa com a opinião dos homens, mas com a vontade de Deus.
A presença do mal e sua relação com a caridade
Pascal nos assegura: “Se na Terra a caridade reinasse, o mau não imperaria nela; fugiria envergonhado; ocultar-se-ia, visto que em toda parte se acharia deslocado.”
Essa afirmação contém um ensinamento valioso sobre a dinâmica moral da sociedade. O mal não encontra espaço onde reina a caridade, porque sua essência é incompatível com o amor. O egoísmo, por sua vez, cria terreno fértil para que o mal se manifeste.
Em ambientes em que predomina a fraternidade, os que cultivam más intenções se sentem deslocados, pois a força da bondade coletiva os desarma. Isso nos mostra que a transformação moral não é apenas individual, mas coletiva. Quanto mais os homens praticarem a caridade, mais difícil se tornará a permanência do mal.
O exemplo pessoal como ponto de partida
A mensagem continua: “Começai vós por dar o exemplo; sede caridosos para com todos indistintamente.”
Aqui está um ponto fundamental: não podemos esperar que a sociedade mude sem que cada um assuma a responsabilidade de modificar a si mesmo. A transformação social começa pelo indivíduo, e o exemplo pessoal é a forma mais eficaz de inspirar mudanças.
A caridade deve ser praticada sem restrições: não apenas para aqueles que nos tratam bem ou que compartilham de nossas crenças, mas “para com todos indistintamente”. O Evangelho não admite parcialidade, pois todos somos filhos de Deus e igualmente merecedores de amor e respeito.
A justiça divina e o desapego ao julgamento humano
Pascal aconselha: “Esforçai-vos por não atentar nos que vos olham com desdém e deixai a Deus o encargo de fazer toda a justiça, a Deus que todos os dias separa, no seu reino, o joio do trigo.”
Aqui encontramos uma advertência contra a tentação do julgamento precipitado. O egoísmo nos leva a reagir ao desdém com ressentimento ou desejo de vingança. Porém, a caridade autêntica nos convida a superar essas reações, confiando na justiça divina.
Deus, em sua infinita sabedoria, separa constantemente o joio do trigo, isto é, distingue as intenções verdadeiras e conduz cada espírito segundo suas obras. Assim, não cabe a nós tomar para si a função da justiça, mas sim exercer paciência e humildade.
O egoísmo como negação da caridade
Pascal é categórico: “O egoísmo é a negação da caridade.”
Essa frase resume todo o ensino do item 12. Se a caridade é o amor em ação, o egoísmo é sua antítese. Enquanto a caridade se preocupa com o bem do outro, o egoísmo fecha-se em si mesmo, ignorando ou mesmo prejudicando o próximo para satisfazer seus próprios desejos.
É interessante notar que Pascal vai além: “Ora, sem a caridade não haverá descanso para a sociedade humana. Digo mais: não haverá segurança.” Ou seja, o egoísmo não prejudica apenas o indivíduo, mas toda a coletividade.
O resultado de uma sociedade egoísta é claro: insegurança, desordem e instabilidade. A competição desenfreada, a luta de interesses e a ausência de solidariedade tornam impossível a paz social.
O orgulho como aliado do egoísmo
Pascal acrescenta: “Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas, a vida será sempre uma carreira em que vencerá o mais esperto, uma luta de interesses, em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem sequer os sagrados laços da família merecerão respeito.”
Aqui temos a descrição precisa das consequências do egoísmo associado ao orgulho. Ambos são vícios gêmeos que alimentam a vaidade, a competição desleal e a indiferença ao sofrimento alheio.
Quando prevalecem, até mesmo os laços familiares — que deveriam ser a expressão mais pura do amor — são corrompidos. Quantos conflitos familiares, quantos rompimentos dolorosos não têm sua origem no egoísmo e no orgulho?
Essa análise revela que, enquanto esses vícios permanecerem como base da conduta humana, não haverá harmonia social ou felicidade duradoura.
Reflexões para o espírita do século XXI
Passados mais de 160 anos da mensagem de Pascal, a humanidade continua enfrentando o mesmo desafio. O egoísmo permanece como raiz de muitos males sociais: desigualdade, guerras, exclusão, corrupção e violência.
No entanto, o Espiritismo nos oferece recursos valiosos para enfrentá-lo. A consciência da imortalidade da alma, da lei de causa e efeito, da reencarnação e da fraternidade universal são instrumentos capazes de despertar no ser humano uma visão mais ampla da vida, convidando-o a superar o egoísmo em favor do bem coletivo.
Para o espírita, o estudo desse texto não pode ser apenas intelectual. Ele exige aplicação prática. É necessário traduzir as palavras em atitudes: cultivar a empatia, oferecer ajuda desinteressada, exercer a tolerância, praticar a indulgência e promover a solidariedade.
Caminhos práticos para vencer o egoísmo
- Exercício do autoconhecimento – Identificar em si mesmo as manifestações do egoísmo: ciúmes, apego excessivo a bens materiais, desejo de superioridade, indiferença.
- Educação dos sentimentos – Desenvolver a sensibilidade para perceber a dor do próximo, cultivando a compaixão.
- Prática da caridade cotidiana – Pequenos gestos, como ouvir alguém com atenção, oferecer uma palavra de consolo ou compartilhar recursos materiais.
- Confiança na justiça divina – Evitar julgamentos e ressentimentos, deixando que Deus conduza cada destino conforme suas obras.
- Vivência no lar – O primeiro campo de superação do egoísmo é a família, onde a renúncia e a dedicação mútua devem ser cultivadas.
Convite atemporal
A mensagem de Pascal, registrada por Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo, é um convite atemporal à reflexão e à prática. O egoísmo, aliado ao orgulho, continua sendo a chaga moral da humanidade, gerando desarmonia e sofrimento.
Contudo, o antídoto está ao nosso alcance: a caridade, vivida de forma plena e indistinta, seguindo o exemplo do Cristo.
Ao compreender que “o egoísmo é a negação da caridade”, o espírita é chamado a assumir uma postura ativa na construção de um mundo melhor, iniciando pela transformação íntima. O esforço pessoal, somado ao exemplo coletivo, poderá criar um ambiente em que o mal se veja envergonhado e a fraternidade floresça.