10 de setembro de 2025

O ódio segundo Fénelon

Por O Redator Espírita
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O ódio segundo Fénelon: Ensinamentos do Evangelho

A Doutrina Espírita, em sua base evangélica, nos convida constantemente à reflexão sobre nossas inclinações, sentimentos e escolhas diante das circunstâncias da vida. O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, é um guia seguro nesse processo de compreensão e transformação moral. No capítulo XII, intitulado Amai os vossos inimigos, encontramos preciosos ensinamentos que nos conduzem ao entendimento mais profundo do que significa viver o amor em sua acepção plena.

Entre as instruções dos Espíritos que compõem este capítulo, destaca-se a mensagem de Fénelon, sob o título O ódio, datada de Bordeaux, 1861. É sobre este trecho, em específico, que nos deteremos neste estudo. A riqueza de sua orientação, ainda que expressa em poucas linhas, contém diretrizes universais e atemporais, capazes de nos guiar na luta contra os sentimentos destrutivos que ainda trazemos em nossas almas.

Nosso objetivo será analisar de forma minuciosa este ensinamento, refletindo sobre a natureza do ódio, as dificuldades de amar aqueles que nos ferem, a importância da lei de amor como norte da vida espiritual e, sobretudo, a proposta prática que a mensagem nos oferece para a superação de nossas limitações. Este artigo se estenderá em profundidade, a fim de alcançar uma visão ampla e integral da lição de Fénelon.

O Contexto da Instrução de Fénelon

François de Salignac de La Mothe-Fénelon, mais conhecido como Fénelon, foi um arcebispo e teólogo francês do século XVII, reconhecido por sua espiritualidade profundamente cristã, marcada pela doçura, humildade e amor ao próximo. Sua mensagem, transmitida mediunicamente em Bordeaux no ano de 1861, traz a marca de sua vivência evangélica, confirmando o espírito de serviço e amor que cultivou durante sua trajetória terrena.

O capítulo XII do Evangelho Segundo o Espiritismo trata do amor aos inimigos, uma das mais elevadas exigências da moral cristã. Kardec reuniu diversas instruções espirituais para complementar a explicação desse ensinamento de Jesus, demonstrando que, embora seja uma tarefa árdua para o coração humano ainda imperfeito, trata-se de um caminho inevitável para quem deseja aproximar-se de Deus.

Neste contexto, a mensagem de Fénelon sobre o ódio se apresenta como uma advertência clara: não basta amar os que nos amam, é necessário amar os que nos desprezam, perseguem e ultrajam. O Espírito ressalta a grandeza moral de tal atitude, lembrando-nos de que, ao amar aqueles que nos ferem, oferecemos a Deus um sacrifício de imenso valor.

O Amor como Fonte de Felicidade

Logo no início da mensagem, Fénelon afirma: “Amai-vos uns aos outros e sereis felizes.” Este ponto é essencial, pois estabelece a ligação direta entre a prática do amor e a conquista da felicidade. Não se trata de um amor superficial ou restrito apenas às conveniências, mas de um amor verdadeiro, universal, capaz de abarcar até aqueles que nos desagradam.

O ódio, ao contrário, gera infelicidade. Ele perturba a alma, alimenta ressentimentos e impede a expansão dos sentimentos nobres. Ao cultivar o ódio, distanciamo-nos de Deus, que é a própria personificação do Amor. Por isso, Fénelon nos alerta que somente amando indistintamente é que poderemos alcançar a verdadeira paz.

Nesta perspectiva, o amor deixa de ser uma opção e passa a ser uma condição fundamental para a harmonia interior. Não se trata apenas de um ideal abstrato, mas de um exercício diário, no qual aprendemos a controlar nossas reações, transformar nossas mágoas em compreensão e oferecer ao outro aquilo que gostaríamos de receber.

O Desafio de Amar os que nos Ferem

Fénelon reconhece a dificuldade deste mandamento quando afirma: “Penoso vos é o sacrifício de amardes os que vos ultrajam e perseguem; mas, precisamente, esse sacrifício é que vos torna superiores a eles.” Aqui reside uma chave importante para o progresso espiritual: o esforço consciente de superar o instinto de revide e cultivar a compaixão.

Amar aqueles que nos ofendem não significa compactuar com seus erros, nem tampouco nos tornar passivos diante das injustiças. Significa, sobretudo, não permitir que o mal que nos atingiu se converta em mal dentro de nós. É um processo de elevação interior, no qual se rompe o ciclo da violência e do ressentimento.

Quando respondemos ao ódio com ódio, nos igualamos ao agressor e perpetuamos a roda de sofrimentos. Mas quando respondemos com amor, nos libertamos da escravidão das paixões inferiores e conquistamos a verdadeira superioridade moral. É este o sentido do ensinamento: tornar-se superior não pela imposição da força, mas pela grandeza de espírito.

O Sacrifício como Oferta a Deus

A mensagem de Fénelon traz uma imagem profundamente simbólica: “Amá-los é a hóstia imácula que ofereceis a Deus na ara dos vossos corações, hóstia de agradável aroma e cujo perfume lhe sobe até o seio.”

A metáfora da hóstia, presente na tradição cristã, é aqui transfigurada em sentido espiritual. O amor ofertado aos inimigos é visto como um sacrifício puro, sem mácula, um tributo de valor imenso diante de Deus. Não se trata de uma prática exterior, mas de um culto íntimo, realizado no altar do coração.

Este aspecto nos convida a repensar o verdadeiro significado da religiosidade. Não é nos rituais exteriores que reside a essência da fé, mas na transformação interior que nos leva a agir com bondade, mesmo diante das provas mais dolorosas. Cada vez que conseguimos amar onde naturalmente surgiria o ressentimento, estamos elevando uma prece viva a Deus, um gesto de adoração mais sublime que qualquer formalismo externo.

A Lei de Amor e os Maus Procederes

Fénelon faz questão de esclarecer que a lei de amor não significa couraçar o coração contra os maus procederes. Pelo contrário, amar indistintamente não exclui a dor que sentimos diante das injustiças. Ele mesmo reconhece: “Esta é, ao contrário, a prova mais angustiosa, e eu o sei bem, porquanto, durante a minha última existência terrena, experimentei essa tortura.”

Aqui vemos a profunda compreensão do Espírito, que não fala em teoria, mas a partir de sua própria vivência. O amor, portanto, não nos torna insensíveis; ele nos torna mais fortes diante da dor. Não é negar a ferida, mas transformá-la em oportunidade de crescimento.

Este ponto é fundamental para afastar a ideia equivocada de que amar os inimigos significa anular-se ou aceitar abusos passivamente. O verdadeiro amor não é conivente com o mal, mas busca transformá-lo, começando por si mesmo. E essa transformação, ainda que custosa, é a mais segura forma de aproximação com Deus.

O Ódio como Distanciamento de Deus

O trecho final da mensagem é categórico: “Não esqueçais, meus queridos filhos, que o amor aproxima de Deus a criatura e o ódio a distancia dele.” Essa afirmação sintetiza todo o ensinamento, colocando o ódio como o grande obstáculo à evolução espiritual.

O ódio é incompatível com a essência divina, que é amor. Enquanto persistirmos em nutrir ressentimentos, mágoas e desejos de vingança, permaneceremos afastados da luz que nos poderia iluminar. O ódio obscurece a razão, endurece o coração e nos mantém aprisionados a estados vibratórios inferiores.

Por outro lado, o amor nos eleva, nos conecta à fonte divina e nos liberta das correntes do egoísmo. É por meio dele que nos aproximamos de Deus e conquistamos a verdadeira felicidade. Assim, o combate ao ódio não é apenas uma questão moral, mas uma necessidade vital para a alma que deseja progredir.

Dimensões Práticas do Ensinamento

Para que este ensinamento não permaneça apenas no campo da teoria, é necessário refletir sobre sua aplicação prática em nosso cotidiano. Como podemos, de fato, amar aqueles que nos ferem? Algumas atitudes podem nos auxiliar nesse exercício:

  1. Orar pelos que nos perseguem – A prece é um recurso poderoso que transforma nossa vibração e irradia sentimentos de paz em direção aos que nos hostilizam.
  2. Cultivar a compreensão – Procurar enxergar as limitações do outro como reflexo de suas dores e ignorâncias, lembrando que todos estamos em processo de aprendizado.
  3. Praticar o perdão – O perdão não é esquecer, mas libertar-se da prisão do ressentimento, entregando a Deus o julgamento que não nos cabe.
  4. Reagir com serenidade – Quando possível, responder com calma às agressões, sem alimentar o ciclo do ódio.
  5. Exercitar a empatia – Colocar-se no lugar do outro, ainda que tenha nos ofendido, buscando entender suas motivações e fragilidades.

Essas práticas, ainda que desafiadoras, constituem o caminho para a vivência efetiva do Evangelho.

Joia de sabedoria espiritual

A mensagem de Fénelon sobre o ódio, contida no capítulo XII do Evangelho Segundo o Espiritismo, é uma joia de sabedoria espiritual. Nela encontramos a síntese da proposta cristã: amar indistintamente, inclusive aqueles que nos perseguem e ultrajam, reconhecendo nesse esforço o mais sublime sacrifício que podemos oferecer a Deus.

O ódio nos distancia do Criador, enquanto o amor nos aproxima Dele. Eis a lição fundamental. A felicidade prometida não é utopia, mas conquista possível para todos os que se dispõem a trilhar o caminho do amor, com perseverança e humildade.