Poder de Enfeitiçar
Poder de Enfeitiçar ou Ignorância da Realidade?

Desde os primórdios da humanidade, o ser humano se depara com forças que julga desconhecidas, inexplicáveis ou mesmo sobrenaturais. Diante do sofrimento, da doença, da perda, muitos buscam explicações que os isentem de responsabilidades, atribuindo seus males à interferência de outros — normalmente a agentes ocultos ou pessoas que supostamente possuiriam o “poder de enfeitiçar”. Em diversas culturas, o feitiço aparece como uma forma de dominação espiritual, uma capacidade de causar dano à distância, por meio de rituais, palavras ou objetos manipulados com intenção negativa.
Mas o Espiritismo, como doutrina reveladora e consoladora, nos oferece uma visão racional e espiritualizada sobre esse tema. E é sobre isso que trataremos neste artigo, baseando-nos unicamente na pergunta 552 de O Livro dos Espíritos e no comentário do Espírito Miramez, contido na obra Filosofia Espírita, através da mediunidade de João Nunes Maia, para refletirmos: existe realmente o poder de enfeitiçar ou estamos lidando com ignorância da realidade espiritual?
A Pergunta 552: Desvendando a Crença no “Feitiço”
552. Que se deve pensar da crença no poder, que certas pessoas teriam, de enfeitiçar?
A Resposta dos Espíritos Superiores:
“Algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados por outros Espíritos maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da Natureza. Os fatos que citam, como prova da existência desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos.”
Nesta resposta, os Espíritos são claros e objetivos. Eles não negam a existência de forças magnéticas, nem o mau uso que delas pode ser feito, mas rejeitam categoricamente a existência de um “poder mágico”, nos termos supersticiosos com que a ideia de feitiçaria é tradicionalmente apresentada.
A resposta denuncia três elementos essenciais para a nossa análise:
- Força magnética real — Há, de fato, pessoas dotadas de maior potencial fluídico, com capacidade de influenciar, magneticamente, outras.
- Interferência de Espíritos inferiores — Espíritos desencarnados de má índole podem secundar ações humanas negativas.
- Ignorância das leis naturais — A crença no poder mágico decorre da ignorância espiritual e científica das leis que regem os fenômenos naturais e espirituais.
Essa visão nos convida a sair da esfera da superstição e adentrar na realidade espiritual, com discernimento e estudo.
Miramez: A Voz do Bom Senso e da Luz
No comentário do Espírito Miramez, presente na obra Filosofia Espírita, encontramos uma reflexão mais profunda e filosófica sobre a temática. Seu título é direto: “Poder de Enfeitiçar”, mas seu conteúdo é um convite ao despertar da consciência e ao abandono das ilusões.
Miramez inicia dizendo:
“A crença no poder do mal é gerada pela ignorância.”
Essa afirmação é crucial. A ignorância espiritual não é apenas desconhecimento intelectual; é uma forma de cegueira moral e emocional, uma falta de sintonia com as leis do amor e da evolução. Quando acreditamos mais na força do mal do que no poder do bem, alimentamos exatamente aquilo que dizemos temer.
O Enfeitiçamento Começa na Mente
A maior revelação presente tanto na resposta dos Espíritos Superiores quanto na explanação de Miramez é que o verdadeiro “feitiço” ocorre na mente de quem acredita nele.
“O que se chama de mal deve ser esquecido e não alimentado, porque cada vez que se pensa nele, aviva-se aquele assunto nas mentes, de modo a fazer viver cada vez mais o mal.”
Miramez
O mal não possui existência autônoma e absoluta. Ele se sustenta pela nossa vibração, pelo nosso medo, pela nossa crença. Quando damos ao mal uma atenção maior do que à prática do bem, abrimos portas vibratórias que, de fato, nos colocam em contato com Espíritos inferiores. Mas o poder não está no outro — está em nossa escolha de pensar, sentir e agir em sintonia com a luz ou com as trevas.
Essa é uma revelação profundamente libertadora. Se o mal não é autossuficiente, então ele só nos alcança quando abrimos a guarda. Como nos ensinou Jesus: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação.” (Mateus 26:41)
A Influência Fluídica: Responsabilidade do Magnetismo Humano
É importante compreendermos que o magnetismo humano é real. Todos nós possuímos um campo fluídico, que pode ser mais ou menos desenvolvido, dependendo da estrutura espiritual, emocional e moral do indivíduo.
O uso do magnetismo pode operar curas, reconfortar, despertar virtudes — mas também pode provocar distúrbios, se for manipulado com má intenção, especialmente por pessoas ligadas a entidades inferiores.
Mas como explica a resposta da pergunta 552, não se trata de um “poder mágico”, e sim de uma faculdade natural, passível de ser compreendida e explicada pelas leis da física espiritual e mental. Tudo é vibração. Tudo é sintonia. Se alguém recebe um pensamento de ódio, este só terá força se encontrar ressonância em seu íntimo.
Portanto, o verdadeiro escudo contra qualquer influência negativa é a conduta reta, a mente elevada, a prece constante e a sintonia com o bem.
A Prevenção pelo Evangelho: O Poder do Bem é Maior
Miramez nos oferece uma orientação prática e segura:
“Começa o dia alegrando-te pela noite que tiveste, agradecido a Deus, e te reveste de poderes pela oração todas as manhãs […]”
A oração, a gratidão, a vigilância moral, o cumprimento dos deveres diários — essas são as verdadeiras defesas espirituais. Nada de patuás, de objetos “carregados”, de banhos ritualísticos ou fórmulas mágicas. A proteção mais poderosa é a presença viva do Evangelho de Jesus em nossos atos e pensamentos.
Na continuidade, Miramez acrescenta:
“Depois que estiveres revestido das coisas santas de Deus, por que temer o mal? Ele passará a não existir, pela tua conduta reta e pela tua fé no poder de Deus e nas tuas próprias forças.”
Aqui, vemos a doutrina espírita nos convidando ao empoderamento espiritual consciente. Quem vive sob a luz do Cristo, em comunhão com as Leis Divinas, não teme feitiço algum — porque o verdadeiro campo de batalha é interior, e quem vence a si mesmo está inacessível às influências das sombras.
A Superstição e o Sofrimento Voluntário
Miramez conclui com uma advertência amorosa:
“As criaturas supersticiosas sofrem por suas próprias ilusões […]”
Sim, o sofrimento causado pela crença no mal é, muitas vezes, autoinduzido. A mente dominada pela superstição se torna campo fértil para a influência espiritual negativa — não porque exista um poder externo inquestionável, mas porque a própria pessoa criou o ambiente psíquico para isso.
O Espiritismo, como filosofia de libertação, nos convida a desmanchar as ilusões, a sair da ignorância e da dependência de “intermediários mágicos”, e a buscarmos o conhecimento, a fé raciocinada e a reforma íntima como únicas proteções reais.
O Espiritismo Não Nega: Educa
A grandeza da Doutrina Espírita está justamente em não negar os fenômenos, mas em explicá-los à luz da razão e da espiritualidade superior. Sim, há obsessores. Sim, há Espíritos inferiores que tentam influenciar os encarnados. Sim, há pessoas que, ignorando suas responsabilidades, fazem mau uso do magnetismo.
Mas tudo isso está sujeito à Lei. Ninguém está à mercê do mal quando vive no bem. O Espiritismo não alimenta o medo — ensina a fé esclarecida. Não nos encoraja a fugir do mal — nos convida a vencê-lo com o bem, como disse Paulo de Tarso: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.” (Romanos 12:21)
Conclusão — O Feitiço Só Tem Poder Onde Há Ignorância
Fechamos nossa reflexão com uma síntese clara: não existe “poder de enfeitiçar” nos moldes supersticiosos das crenças populares. O que há são leis naturais e espirituais em ação, aliadas à ignorância, ao medo e à falta de sintonia com o bem.
A Doutrina Espírita, com clareza e amor, nos oferece uma resposta que desmistifica e, ao mesmo tempo, orienta. A resposta dos Espíritos Superiores e a explanação de Miramez convergem para um mesmo ponto: o mal só age onde há espaço. Esse espaço é a ausência de luz, a ausência de conhecimento, a ausência de Deus no coração.
Por isso, mais importante do que procurar defesas exteriores, é fortalecer-se interiormente. A verdadeira magia é a do amor, da humildade, da caridade silenciosa. Quando a alma está revestida dessas virtudes, nenhuma influência inferior encontra nela morada.
Se há um feitiço real, ele está na ignorância. Se há um antídoto seguro, ele se chama Evangelho vivido.