9 de julho de 2025

“Deixai que venham a mim as criancinhas”

Por O Redator Espírita
Avatar de O Redator Espírita

“Deixai que venham a mim as criancinhas”: Uma Leitura Espírita à Luz da Maturidade Moral do Espírito

A sublime frase proferida por Jesus — “Deixai que venham a mim as criancinhas” — é comumente interpretada como uma expressão de afeto, doçura e acolhimento às crianças em seu sentido físico. Contudo, ao analisarmos o trecho constante do capítulo VIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 18, redigido sob a inspiração de João Evangelista, somos convidados a transcender a visão literal e ingressar nos domínios mais profundos do simbolismo espiritual.

Com a lucidez que caracteriza os Espíritos Superiores, João Evangelista amplia o entendimento do ensino do Cristo, revelando-nos que a expressão “criancinhas” não se restringe às crianças em idade física, mas abrange também — e principalmente — as almas humildes, simples, desprovidas de orgulho, ainda na infância da razão espiritual. Assim, os “fracos, os escravizados e os viciosos” são igualmente convidados a se aproximarem do Mestre, não pela condição social ou intelectual, mas por sua disposição de renovar-se.

Este artigo propõe-se a desenvolver um estudo minucioso e reflexivo sobre esse texto do Evangelho Espírita, articulando sua mensagem com os fundamentos do Espiritismo e extraindo implicações para a prática mediúnica, moral e educativa na atualidade.

A Criança como Símbolo Espiritual

O símbolo da infância no ensino de Jesus

Desde os tempos antigos, a infância é tomada como símbolo de pureza, inocência e maleabilidade. No entanto, ao afirmar que “essas palavras não continham um simples chamamento dirigido às crianças”, João Evangelista convida-nos a ver a infância sob um viés espiritual. A infância aqui simboliza a condição do espírito ainda em processo de aprendizado, cuja razão está nascendo, e cujos impulsos ainda não foram totalmente submetidos à vontade moral.

O convite de Jesus, portanto, é dirigido àqueles que, apesar de suas imperfeições, mantêm a capacidade de aprender, confiar, amar e recomeçar — virtudes típicas da infância do espírito. Essa leitura afasta a interpretação meramente romântica do versículo evangélico e confere-lhe um sentido profundo, pedagógico e moral.

Infância física e infância espiritual

A infância física, embora marcada pela ingenuidade e pela dependência material, não é ainda o campo ideal para o exercício da razão plena. Por isso, o texto afirma que “Jesus nada podia ensinar à infância física”, pois esta está “presa à matéria, submetida ao jugo do instinto”. O ensino do Cristo visava os que já estavam em condições de compreender o bem e o mal, os que possuíam o germe da razão a germinar e florescer.

A infância espiritual, por sua vez, refere-se às almas que, apesar de adultas em corpo, encontram-se nas primeiras fases do amadurecimento moral e intelectual. São esses os verdadeiros destinatários do chamado do Cristo, pois estão aptos a acolher, com humildade, os princípios do Evangelho.

Os Destinatários do Chamado: Fracos, Escravizados e Viciosos

Os fracos: a fragilidade como campo de redenção

Os “fracos” mencionados por João Evangelista não devem ser confundidos com os fracos de caráter no sentido negativo. Aqui, o termo remete àqueles que, embora fragilizados pela vida, carregam consigo a sensibilidade para o bem. São os que reconhecem sua vulnerabilidade e, por isso mesmo, estão abertos à renovação. Para esses, a mensagem do Cristo é bálsamo e alento.

No Espiritismo, aprendemos que a fraqueza moral pode ser superada com esforço contínuo, fé esclarecida e vontade de crescer. Por isso, o convite de Jesus não é de exclusão, mas de acolhimento: é nas almas frágeis que florescem os primeiros brotos do arrependimento e da regeneração.

Os escravizados: libertação espiritual pela verdade

Os “escravizados” representam não apenas os prisioneiros literais, mas, sobretudo, aqueles que se encontram sob o jugo da ignorância, da opressão moral, das paixões inferiores e do materialismo. Ao chamá-los, Jesus convida-os à libertação pelo conhecimento da verdade — pois “a verdade vos libertará”, como ensinou o Mestre.

A Doutrina Espírita, como o Consolador Prometido, resgata esse chamado ao ensinar que somos todos livres em essência, embora temporariamente presos às consequências de nossos atos. O Espiritismo mostra o caminho da verdadeira liberdade, que é interior, ética, e baseada na responsabilidade perante a vida.

Os viciosos: os que mais precisam de médico

Tal como afirmou o Cristo — “não são os sãos que precisam de médico” — os viciosos, que muitas vezes são os mais marginalizados pela sociedade, são também os que mais necessitam de amparo e orientação. Jesus não os condena, mas os chama.

No Espiritismo, compreendemos que o vício é uma enfermidade moral, que pode ser curada com paciência, compreensão, exemplos edificantes e perseverança no bem. O vicioso é um espírito doente, mas não irrecuperável. Sua aproximação do Cristo se faz possível quando ele encontra um ambiente que o acolha e lhe mostre, com amor e firmeza, as consequências e alternativas de suas escolhas.

A Confiança Infantil como Modelo da Relação com o Cristo

Confiança, não ignorância

Jesus convida os homens a irem até Ele “com a confiança daqueles entezinhos de passos vacilantes”. Não se trata de infantilidade espiritual, mas de confiança autêntica, de entrega sincera, de abertura de coração. O Espiritismo valoriza a razão, mas não despreza a fé confiante, que se apoia na lógica e no sentimento elevado.

Essa confiança é o ponto de partida da relação com o Cristo. Como a criança que se lança nos braços do pai, o espírito deve lançar-se aos braços da Verdade, disposto a aprender, corrigir-se e amar. O orgulho intelectual e o ceticismo sistemático são obstáculos à vivência do Evangelho.

A ternura feminina como analogia do acolhimento divino

É notável a imagem evocada por João Evangelista: a criança que “conquistava, para o seu, o coração das mulheres, que são todas mães”. Aqui temos uma analogia sublime: a alma que busca o Cristo, mesmo com vacilações, é envolvida por uma ternura semelhante à do coração materno.

A maternidade espiritual, nesse contexto, simboliza a misericórdia divina que acolhe, envolve e educa. Assim age o Cristo: não como juiz impiedoso, mas como irmão mais velho e pastor dedicado, que acolhe mesmo os que se extraviaram.

Da Fé Instintiva à Fé Raciocinada

“Já não se trata de crer instintivamente…”

João Evangelista destaca uma profunda transição espiritual: “Já não se trata de crer instintivamente, nem de obedecer maquinalmente; é preciso que o homem siga a lei inteligente…”. Aqui temos um marco decisivo na evolução da fé: a passagem da fé cega à fé raciocinada.

Essa transição é uma das contribuições centrais da Doutrina Espírita. Kardec deixou claro, desde o início, que “fé inabalável é somente a que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade”. A fé infantil, instintiva, embora nobre em seus sentimentos, precisa amadurecer. A verdadeira elevação espiritual só ocorre quando o coração e a razão caminham juntos.

O papel do Espiritismo como revelação universal

A afirmação de que o Espiritismo é o “iniciador” de um novo tempo não é casual. João Evangelista assinala que “a manifestação espírita avulta no horizonte”, indicando que estamos em um novo ciclo da revelação divina — aquele em que a fé se alia à ciência, à lógica e à ética universal.

Neste sentido, o Espiritismo é a ferramenta pela qual os homens de boa vontade se aproximam do Cristo, não mais como crianças físicas ou como almas cegas pela superstição, mas como consciências despertas, desejosas de compreender a vida em sua profundidade espiritual.

O Cristo como Facho de Luz e o Espiritismo como Continuação de Sua Obra

O facho que ilumina as trevas

Jesus é descrito como “o facho que ilumina as trevas, a claridade matinal que toca a despertar”. A imagem é poderosa: a humanidade, adormecida em seu egoísmo e ignorância, começa a despertar com a luz do Cristo. Essa luz é moral, não dogmática; é libertadora, não repressiva.

A Doutrina Espírita retoma essa imagem ao reafirmar a missão do Cristo como Guia e Modelo, cuja mensagem atravessa os séculos, agora com novas interpretações mais condizentes com o progresso do espírito humano.

O enviado do Espiritismo: símbolo da nova era

Ao afirmar que “aqui está o seu enviado, que vai resplandecer como o Sol no cume dos montes”, João Evangelista aponta para a consolidação do Espiritismo como a nova etapa da revelação divina. Esse enviado não é uma pessoa específica, mas a própria Doutrina, iluminando consciências, libertando mentes, consolando corações.

É chegada a hora da ação viril — do trabalho consciente, da transformação interior efetiva, da vivência evangélica com responsabilidade. A infância simbólica se transforma em juventude espiritual, pronta a servir.

Implicações Práticas para o Espírita Atual

O acolhimento dos “pequenos” nos centros espíritas

O texto nos convida a refletir sobre o papel dos centros espíritas: são eles espaços de acolhimento aos “fracos, escravizados e viciosos”? Ou se tornaram locais de elitismo espiritual e exigência de perfeição prévia? O verdadeiro centro espírita deve ser o hospital de almas, onde todos os “entes vacilantes” possam se aproximar do Cristo através do serviço fraterno, do estudo e da caridade.

Educação espiritual com firmeza e ternura

Como educadores morais — pais, evangelizadores, médiuns — devemos aprender com o Cristo: unir firmeza à ternura, autoridade ao amor, razão ao sentimento. A pedagogia do Cristo é eficaz porque respeita o tempo espiritual de cada alma e, ao mesmo tempo, desafia-a a crescer.

Superar a fé cega e buscar o entendimento

O espírita deve abandonar as zonas de conforto da fé instintiva e buscar o entendimento profundo da Doutrina. O estudo sério, o diálogo com a ciência e a ética prática são meios de nos aproximarmos da “lei inteligente que se revela na sua universalidade”.

Convite profundo à Humildade

A frase “Deixai que venham a mim as criancinhas”, reinterpretada por João Evangelista à luz da revelação espírita, é um convite profundo à humildade, à confiança e à renovação moral. Ao nos dirigirmos ao Cristo como crianças espirituais — frágeis, mas dispostas a aprender — nos colocamos no caminho da regeneração.

Mais do que uma exortação poética, essa passagem é um chamado ao trabalho interior e coletivo. O Espiritismo, como continuador da obra do Cristo, convida-nos à ação esclarecida, à caridade ativa e ao acolhimento universal

Que possamos, como entezinhos de passos vacilantes, mas de coração sincero, aproximar-nos do Mestre, confiantes de que Sua luz continua a brilhar nos montes da nossa consciência desperta.