16 de julho de 2025

A Afabilidade e a Doçura

Por O Redator Espírita
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A Afabilidade e a Doçura: Expressões do Amor Verdadeiro na Vivência Espírita

Entre as lições sublimes que o Espiritismo nos oferece, poucas são tão sensíveis e transformadoras quanto a que se refere à afabilidade e à doçura. No capítulo IX de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, sob inspiração dos Espíritos Superiores, nos apresenta um texto profundamente instrutivo, assinado por Lázaro, que nos convida à reflexão sincera sobre a autenticidade das nossas atitudes diante do próximo.

Não se trata de um discurso genérico sobre gentileza ou cortesia social, mas de uma exortação à vivência interior da caridade em sua forma mais suave e constante: a doçura nos gestos, o acolhimento nas palavras, a benevolência nos pensamentos. Nesse artigo, aprofundaremos os ensinamentos contidos no item 6 da seção “Instruções dos Espíritos – A Afabilidade e a Doçura”, compreendendo suas implicações morais, espirituais e práticas para o espírita sincero, que busca em sua jornada evolutiva espelhar-se no modelo crístico de comportamento.

A Benevolência como Fruto do Amor ao Próximo

Lázaro inicia sua mensagem afirmando que a benevolência para com os semelhantes é fruto do amor ao próximo, e que essa benevolência se manifesta de forma natural na afabilidade e na doçura. Este primeiro ponto é essencial, pois nos indica que as atitudes exteriores de gentileza só têm real valor espiritual quando nascem de um sentimento genuíno de amor. Não se trata de mera formalidade, nem de polidez estratégica para agradar ou conquistar favores, mas de uma disposição interior constante de acolher, compreender e respeitar o outro.

Afabilidade e doçura, portanto, são efeitos de uma causa mais profunda: o amor que já começou a florescer no íntimo do espírito. Quando alguém alcança esse estágio, suas palavras e atitudes se revestem de serenidade, compreensão e paciência. O seu trato revela a presença de Deus em sua consciência. Essas almas são bálsamos na convivência, pacificadoras nos conflitos, e firmes sem arrogância, pois sua força repousa na bondade, não na dominação.

O Perigo das Aparências

Logo em seguida, Lázaro adverte com severidade: “Entretanto, nem sempre há que fiar nas aparências.” Ele alerta para o perigo da fingida bonomia, ou seja, daquela doçura artificial que não passa de um verniz educado, aprendido nos ambientes sociais, mas que não corresponde à realidade íntima do indivíduo.

Essa dissimulação é uma das formas mais sutis da hipocrisia. As pessoas que aparentam mansidão e brandura, mas que carregam em seu coração sentimentos de orgulho, vaidade, inveja ou impaciência, estão muito longe da verdadeira elevação espiritual. O contraste entre o exterior e o interior denuncia a falta de autenticidade, o descompasso entre a máscara social e o verdadeiro eu. Lázaro diz: “O mundo está cheio dessas criaturas que têm nos lábios o sorriso e no coração o veneno.”

Essa frase, tão incisiva, nos leva a refletir sobre quantas vezes encontramos — ou, com humildade, reconhecemos em nós mesmos — esse comportamento. Em situações onde não somos contrariados, conseguimos manter um discurso calmo e educado. Mas, à menor provocação, revelamos impaciência, irritação ou agressividade. Isso demonstra que a doçura ainda não está enraizada no espírito, mas apenas é mantida por esforço consciente e instável.

A doutrina espírita nos convida a examinar com rigor e ternura o nosso íntimo, para identificarmos onde estão nossas reais intenções. Jesus nos ensinou que é do coração que procedem os verdadeiros atos — o que contamina o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai de seu coração. Logo, a afabilidade que não nasce do sentimento sincero é inútil diante da Lei de Deus.

Hipocrisia e Autoengano

Ao tratar da diferença entre o comportamento exterior e o sentimento interior, Lázaro revela outro aspecto grave da dissimulação: a hipocrisia. Ele afirma: “Não basta que dos lábios manem leite e mel. Se o coração de modo algum lhes está associado, só há hipocrisia.”

Essa advertência é de extrema importância, especialmente para os que se encontram em posições de influência espiritual ou social. Muitos, conscientes da importância de manter uma imagem de bondade, esforçam-se para parecer afáveis, mas seus atos íntimos — pensamentos, sentimentos e decisões — revelam orgulho, dureza, egoísmo. Pior ainda, alguns usam da aparência bondosa como ferramenta de manipulação, buscando reconhecimento, prestígio ou poder.

O Espiritismo, por sua clareza moral e filosófica, nos oferece os meios de identificar e combater essa hipocrisia. Ele nos convida ao autoconhecimento constante, à reforma íntima progressiva e sincera, e à vigilância sobre nossos reais sentimentos. Não basta ser agradável socialmente — é preciso transformar o coração. A verdadeira caridade, disse Paulo, é paciente, é benigna, não se ensoberbece, não se irrita, não busca os próprios interesses.

O Tirano Doméstico: A Contradição entre o Público e o Íntimo

Lázaro também aborda um caso particular que merece atenção: o indivíduo que se mostra gentil e afável em público, mas é um tirano em seu lar. É alguém que, fora de casa, se sujeita às regras sociais, se controla para manter uma imagem respeitável, mas, ao retornar à intimidade do lar, extravasa seu orgulho, sua impaciência, sua vaidade, fazendo sofrer os entes mais próximos.

Essa figura, infelizmente, ainda é comum. E mais doloroso é saber que a família — esse núcleo sagrado de aprendizado e afeições — torna-se um campo de opressão, onde a autoridade se transforma em despotismo, o cuidado em vigilância, e o amor em controle. Lázaro denuncia com clareza: “Envaidecem-se de poderem dizer: ‘Aqui mando e sou obedecido’, sem lhes ocorrer que poderiam acrescentar: ‘E sou detestado’.”

Esse trecho é de extrema profundidade moral. Mostra que, mesmo em ambientes espirituais, há os que ainda não compreendem a autoridade como serviço. No lar, como no centro espírita, a liderança verdadeira se faz pela doçura, pela paciência, pela escuta, pela empatia, e nunca pela imposição. Jesus lavou os pés dos discípulos — esse gesto resume toda a filosofia da liderança espiritual. O verdadeiro espírita se inspira nesse modelo.

A Coerência entre o Interior e o Exterior

Lázaro conclui sua mensagem com um ensinamento definitivo: “Aquele cuja afabilidade e doçura não são fingidas nunca se desmente: é o mesmo, tanto em sociedade, como na intimidade.” Essa coerência é uma marca da maturidade espiritual. O espírito que verdadeiramente se evangelizou é sempre o mesmo: em público ou no recanto doméstico, no templo ou no trabalho, na presença de autoridades ou de simples desconhecidos.

Essa constância moral é sinal de integração entre a consciência e a conduta. Não se trata de perfeição absoluta, mas de autenticidade. Quando o bem já se tornou uma segunda natureza, o espírito age com brandura espontaneamente. Mesmo quando contrariado, mantém-se sereno, busca compreender, evita julgar, silencia quando é prudente, ou fala com firmeza respeitosa, quando necessário.

Essa é a grande meta do espírita verdadeiro: unir pensamento, sentimento e ação sob a luz do amor evangélico. Não para parecer virtuoso, mas para ser instrumento de paz. Como ensina o Cristo: “Bem-aventurados os brandos, porque possuirão a Terra.”

Afabilidade e Doçura como Virtudes Ativas

Muitos consideram a afabilidade e a doçura como virtudes passivas, associadas à fragilidade ou à submissão. Nada mais distante da realidade espiritual. A afabilidade é uma energia ativa de pacificação. A doçura é uma força moral que desarma conflitos, acalma ânimos exaltados, aproxima os corações.

Ser afável não é ser fraco — é ser forte o suficiente para dominar os próprios impulsos e acolher o outro com respeito. Ser doce não é ser ingênuo — é ser sábio o bastante para perceber que a violência, mesmo verbal, não constrói. Os grandes espíritos, como Francisco de Assis, Gandhi, Chico Xavier, Joana de Ângelis, Bezerra de Menezes, foram exemplos vivos de doçura vigorosa, capazes de enfrentar o mal com o bem, o ódio com o amor, a arrogância com a humildade.

O espírita que cultiva essas virtudes é um semeador de luz onde passa. Sua presença transforma ambientes. Sua palavra consola, sua atitude inspira, sua serenidade educa. Ele não impõe sua fé, mas irradia sua vivência. Ele não precisa proclamar virtudes, pois elas se manifestam por si. Essa é a força silenciosa da afabilidade: conquistar corações pela paz.

A Doçura como Meta do Espírito Imortal

O item 6 do capítulo IX de O Evangelho Segundo o Espiritismo é um verdadeiro espelho para o espírito em evolução. Ele nos convida a uma autoanálise sincera: somos afáveis e doces porque amamos, ou apenas porque aprendemos a parecer educados? Nossa conduta no lar é coerente com a que temos em público? Nossas palavras refletem nosso coração?

A resposta a essas perguntas não exige pressa nem culpa, mas coragem e humildade. A reforma íntima é um processo, e a doutrina espírita é uma escola de almas. Se ainda reconhecemos em nós a contradição entre o que parecemos e o que sentimos, isso é sinal de que já despertamos para a necessidade da mudança. E isso, por si só, é um passo decisivo.

Busquemos, pois, diariamente, cultivar a afabilidade e a doçura — não como máscaras, mas como flores que brotam do solo fértil da benevolência. Que nossas palavras sejam ternas, mas sinceras. Que nossos gestos sejam suaves, mas autênticos. Que nosso coração seja um templo de paz, de onde emane, em todas as direções, o perfume do amor cristão.

E lembremo-nos sempre: “Se, pelas aparências, se consegue enganar os homens, a Deus ninguém engana.”